setembro 30, 2010

Liberdade





- Liberdade, que estais no céu... 
Rezava o padre-nosso que sabia, 
A pedir-te, humildemente, 
O pio de cada dia. 
Mas a tua bondade omnipotente 
Nem me ouvia. 
— Liberdade, que estais na terra... 
E a minha voz crescia 
De emoção. 
Mas um silêncio triste sepultava 
A fé que ressumava 
Da oração. 
Até que um dia, corajosamente, 
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado, 
Saborear, enfim, 
O pão da minha fome. 
— Liberdade, que estais em mim, 
Santificado seja o vosso nome.    


Miguel Torga, in 'Diário XII'
Porque é a única que alguma vez poderemos alcançar...

IdoMind
about fresh starts

setembro 29, 2010

Sou muito nova para isto

“Deve ser assim que as pessoas morrem afogadas perto da margem – de cansaço. De tanto esbracejar para se manterem à tona. São anos a esbracejar. A espernear. A Abraçar. A falar. Já não aguento mais. Acredita se lhe disser que nem força tenho para me zangar? De repente já não há zanga. Não há nada.”
E continuou. Percebi que estava a falar para ela própria e quando falamos alto para nos ouvir-nos não devemos ser interrompidos. Não a interrompi.

“Sabe, aproveitei para tirar a manhã e vim a pé. Passei por ali, junto à praia do Algodio. Gosto da Ericeira quando o tempo arrefece e todos vão embora. Era isso que no fundo eu gostava, que fossem todos embora. Nem que fosse só por uns tempos. Talvez o tempo que fosse preciso para eu sentir qualquer coisa. Saudades ou alívio. Qualquer coisa que me fizesse perceber como é que estou bem. Em paz. Ocorreu-me que a minha vida seria melhor sem dependências. Sem vínculos. Olho para mim e vejo fios por todos os lados. Todos os movimentos estão condicionados pelos fios que teci e que deixei que me enredassem. Sinto-me enredada. E sinto-me mal por me sentir assim. Afinal é a minha teia”

Sorri. Ambas percebemos que ser mulher é nunca parar de sentir. E ambas percebemos que quando deixa de haver festa no nosso coração, a cabeça vem pôr a casa em ordem. Ou pelo menos tentar.

“Hoje em dia tornou-se comum pensar em nós primeiro. Eu ainda sou do tempo em que o sentido de responsabilidade calava os pequenos desejos que vêm e vão em determinadas alturas da nossa vida. Que o bem-estar do outros era importante. Eu ainda sou do tempo dos compromissos…”
A cabeça estava a fazer um bom trabalho. Ao lembrar-se de todos os motivos honrosos que a levavam a manter-se enredada, a infelicidade tornava-se mais tolerável.
Olhou para mim. De repente tinha sete anos e estava a pedir a um adulto que lhe ensinasse o que é bom e o que é mau. Quase a ouvi a dizer “ por favor diga que isto vai passar, que é normal ter dúvidas, que a vida é feita de altos e baixos ou qualquer outra daquelas frases feitas, que acalme este motim no meu peito. Diga-me que uma boa pessoa abdica de si pelos outros”.

“ Somos todos do tempo do medo.” - foi a resposta que consegui dar-lhe porque é a resposta em que acredito.
“ Por temermos tanto a perda acabamos por nos perder. E muitas vezes afastamos-nos tanto, tanto, tanto de nós que nunca mais conseguimos voltar.
Não tenho nenhuma fórmula secreta infalível para fazer sempre as escolhas certas e o que posso partilhar consigo é que todas as suas decisões sejam reflexo da sua mais profunda verdade. Seja honesta consigo e nada poderá ser perdido. Nem nada deverá ser temido…
E se tiver de esperar que as nuvens se afastem para ver melhor o horizonte, espere. E se tiver de pedir a todos que vão embora para se sentir, para se perceber, peça. Por si e por eles.
Onde há amor há compreensão. Sempre…”

E foi assim que começou o meu dia de trabalho. Esta semana vai longa!
IdoMind
About ...whatever...

setembro 15, 2010

Dar

As cordas caíram de velhas e agora já posso chegar lá, onde o meu calor é preciso. Dar o colo que afasta as nuvens negras estacionadas na cabeça. Trazer-lhe o bom tempo, soprando a tempestade com uma gargalhada, porque o único Inverno que existe é o que inventamos para nós. Tirar do bolso um punhado de pensamentos radiosos, iguais à luz escondida em tudo que é, os que iluminam o próximo passo. E todas as etapas menos claras.
 

Este mimo guardado que deixa o cheiro a esperança no capítulo seguinte. Num desfecho que não poderíamos imaginar melhor. Rompe agora livre dos medos que o mantinham escravo. Enquanto houver Homens haverá sempre Horas diferentes. É preciso aceitar a velocidade de cada um, sem questionar o amor que respira a outra cadência. Que ainda dorme, esperando, quem sabe, o carinho que o acorde. Há amores que temos de ir acertando até que se vejam como são – um número pintado no mesmo relógio a olhar para o ponteiro que lá vem, quase quase a chegar…

Que bom dar beijos! Encostar os lábios, e sem falar, dizer o que pede para ser dito. Juntamente com as mãos, algumas palavras também andaram reféns da imagem oca a que nos atracámos. Como se fosse falta de educação dizer “ Adoro-te” ou ofensivo confessar que o mundo é um sítio muito mais bonito desde a tarde em que se partilhou a mesma secretária na Biblioteca Nacional. Há sentimentos que são grandes que deixam de caber dentro de nós. Vertem.


Desde que dou beijos com as mãos soltas, tornei-me mãe de muitos obrigados, desculpa e gosto tanto de tis. Não nos diminui sentir. O que nos reduz é ocultá-lo. Fingir que não foi nada e correr para a casa de banho apanhar os cacos de uma auto-estima estilhaçada. Ignorar quem tem sempre tempo para nós sem nunca arranjar um minuto para lhe perguntar – “como tens passado?”. Olhos nos olhos, porque é um ser humano que está à nossa frente.
 

Tratamos tão mal quem nos quer mais bem. Pode ser que um dia alguém explique esta tendência de distribuir sorrisos na rua e pedradas em casa… Não é por nos conhecerem melhor que têm de desculpar tudo. Não é por saberem que “somos assim” que ganhamos o direito de não tentar ser de outra maneira. Não é porque nos amam que suportam melhor a nossa falta de amor. Ou de respeito…É ao contrário. É por isso tudo que lhes dói muito mais.

Eu sou a favor dos braços que me aninham. Dos peitos feitos à minha medida em que me encaixo e caibo tão bem. Daqueles que carregam memórias de uma expedição feita a quatro pernas. A dois corações. Que contam sobre os rigores, algumas alegrias e merecidos  triunfos que foram sendo escritos no mesmo diário da viagem. Há peitos onde pertencemos…

Porque acredito que sou toda a gente, dou a toda a gente aquilo em que acredito - bondade, compreensão e a minha verdade.
Porque prefiro andar levantada, escolho estender a mão em vez de apontar o dedo.
Porque sou responsável por Ti, cresço olhando por Nós…

IdoMind
about this hands of mine

setembro 08, 2010

Decisions Decisions

Já não sei dizer sim ou não como os miúdos dizem. Porque sim ou porque não. Porque querem ou porque não querem. Porque têm tempo ou não têm. Porque lhes apetece mesmo isso ou têm fome de outra coisa. Nãos ou sins rápidos, daqueles que ganham sempre aos “mas”.
Os meus estão assim, precedidos de muitos mas. Pergunto-me se estou a crescer ou só a ficar velha. Cuidadosa. A olhar para o semáforo antes de atravessar a estrada esperando que fique total, inquestionavelmente verde. Bem devagar, porque as correrias podem fazer cair. E magoar. Com a idade tudo fica mais lento, até sarar as mazelas de uma queda. O crescimento ensina-nos isso. A velhice faz-nos temê-lo.
Neste país de ninguém, entre a sabedoria e o medo, nascem as minhas decisões. E os nãos e sins que preferia manter talvezes…até não haver carros, nem gente, nem passeios, nem o perigo de tropeçar, alcançando, ilesa, o outro lado.



“Se viver fosse para ser seguro, serias inquebrável” – diz a sabedoria. “Terias vindo feita de matéria que não deita nem sangue nem lágrimas”. É para doer. É para correr. É para sentir… E continuar. Mais crescida. Nunca só mais velha.
É para lembrar a sorrir da tragédia que foi o primeiro amor não correspondido. O namorado impotente que veio depois e nos fez sentir “comível só em caso de necessidade”. O Natal em que soubemos que o ex-marido era pastor… E abanar a cabeça pensando como eram importantes os detalhes que não tinham importância nenhuma. E outros que foram tão importantes que nos mudaram e nos deram um par de olhos novo. As pessoas às quais pedimos ajuda na definição de quem somos. E como as amaldiçoámos por toda a raiva, desespero e frustração, que nos atiraram para lugares escuros. Bastava ter acendido a luz do respeito por nós. Dizer, com a serenidade que a compreensão sempre traz, que não estamos, naquele momento, capazes de fazer diferente. E assumir as nossas escolhas de pé…

Se viver fosse para ser seguro não haveria Amor.
Pelos pais que têm o dom de espetar as facas onde ferem mais. Pelos irmãos que nos fazem agradecer estarem aqui connosco a partilhar o mesmo sobrenome e um caminho nem sempre relvado. Os filhos que ensinam a dar. Mesmo quando não dão nada. Mesmo quando não merecem receber. O homem de outra que abana as prateleiras de uma moralidade, afinal, não tão bem arrumada.
É porque há Amor que sabemos que estamos vivos. Quanto mais cresço, ou envelheço, mais acredito que ele está na origem e no fim de tudo. E no Meio, onde vamos sendo obrigados a fazer opções. A ir ou a ficar.
Tudo passa. Todos passam. Ficamos nós. Com os frutos da nossa colheita. Gostava plantar um vasto campo de trigo que amadureça e dê semente para o meu pão.  Gostava de me orgulhar do trabalho que fiz. De ter cumprido a missão com mérito. E agradecer com o coração cheio de emoção ter estado cá. 
Alma com pele de mulher a dizer sim ou não como os miúdos.
IdoMind

About Righteousness

setembro 06, 2010

Sempre em frente



Este Verão foi comprido. Muito mais comprido que todos os outros Verões. E esquisito. O passado veio a correr lá de trás e sentou-se ao nosso lado na praia. Toalha com toalha, forçando conversas que tinham ficado esquecidas entre uma noite mal dormida ou outra. Entre uma ferida ou outra. Entre um “ não faz mal”, “paciência” “ou outro.
O passado estendeu-se ao sol connosco e tornou-se presente.

O meu veio aos gritos. Parece que já tinha tentado falar antes, mas o barulho dos meus planos calou-o. Queria dizer-me que sou o que sou por tudo o que já fui. E que é verdade, também sou o que deixei que fizessem de mim. Lembrou-me do silêncio que sempre preferi porque algumas palavras foram, simplesmente, demasiadamente dificeis de ouvir. Foram palavras terremoto que me estremeceram e abriram fendas do tamanho da indiferença com que passei a defender-me. E que esta solidão onde tanto gosto de me perder, tornou-me mais pobre porque não enriqueci nem fiz enriquecer. O passado mostrou-me que a solidão é um vício – satisfaz corroendo por dentro. E afastando-nos do que está fora.


Fiz muito mal os meus enterros. Percebi-o na noite deste Verão comprido em que desci do castelo para jantar com a vida. Apanhei desprevenidos uns amigos habituados aos meus muros. Ali, naquela noite, com aquelas pessoas fui quem sou antes das noites mal dormidas, das feridas e dos “ não faz mal”.Nunca o meu coração apanhou tanto ar. Todas as portas foram abertas e lançado o convite para entrarem.

Estive muito tempo sem escrever no Jardim. Quis que o primeiro artigo depois das férias fosse para eles. Foi a primeira vez que consegui falar com sobre algumas experiências que mudaram o rumo da minha vida e da minha familia. O que senti com isso. Como foi doloroso. Nem eu, até àquele momento tinha percebido como foi de facto doloroso. Ouviram-me. Calados. Impressionados. Estupfactos. Era fácil ler nos olhos deles a surpresa, enquanto pensavam “fogo..”.Eu,  era como se estivesse a ser atropelada por um camião. Sentia a força do embate enquanto lhes contava quem era eu afinal. Claro, chorei. Muito. E choraria mais porque naquela noite aproximei-me um pouco mais de quem quero ser.
Tive direito a um curativo no dedo, de fazer inveja a muito enfermeiro. Tive amor do melhor que há – aquele que nos aceita tal como somos. E tive o respeito de pessoas que admiro. Até parece conversa de revistas cor-de-rosa ou destes livros que agora andam na moda, mas há coisas que temos realmente de senti-las na pele para percebermos que as verdades mais simples, são as únicas verdadeiras.

Eles não sabem mas eu vou aqui dizer que aquela noite só foi possível por causa dos mexilhões. Ainda que viva 100 anos vou lembrar-me sempre da satisfação do meu Amigo a atirar-me com um saco de mexilhões aos pés. Foi pescar todo o dia enquanto ficámos na praia. Havíamos comentado que o que sabia bem eram uns mexilhões para petisco, mas isso não ia ser possível por um motivo qualquer que não me recordo.
No final do dia lá começa a desenhar-se no horizonte o perfil do nosso pescador enquanto se dirigia a nós com o equipamento todo (há coisas com que não se brinca). Trazia alguns peixes e…um saco cheio de mexilhões!
 “ Era isto que querias?” E atira com os mexilhões aos meus pés. Todo satisfeito. Ficou feliz por nos poder fazer feliz. Ele nem gosta de mexilhões…
Guardarei sempre a expressão dele e este gesto de quem se preocupa. De quem está atento. De quem ama amar. E cuidar...
Nunca ninguém seria tão digno dos meus segredos como estas pessoas. Partilhei, por isso, o impartilhável com elas. O passado ainda não passou. Talvez não passe.
Passei eu.
Alguma coisa mudou. Apetece-me ficar por aqui, fora do castelo, a apanhar mexilhão…


IdoMind

about cleansing


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