maio 17, 2009

O Recreio

No paraíso, Jesus Cristo, Moisés e um velhote com grandes barbas disputavam uma partida de golf.
Jesus deu a primeira tacada e a bola caiu num lago, ficando a flutuar. Jesus arregaçou a túnica, caminhou sobre as águas e deu uma nova tacada que levou a bola para muito perto do buraco.
Moisés deu a segunda tacada e a bola caiu num lago, afundando-se. Moisés ergueu a sua vara, afastou as águas e deu outra tacada na bola que ficou muito, muito perto do buraco.
Chegou a vez do velhote, que deu a sua tacada. A bola caiu no lago e foi comida por um peixe, que foi abocanhado por uma enguia, que foi mordida por uma águia, que levantou voo com a enguia na boca, que deixou cair peixe, que na queda deitou fora a bola, que acertou em cheio no buraco.
Moisés vira-se para Jesus e diz-lhe:
- Sabes, odeio jogar com o teu pai…



E nós também. Naquelas horas muito escuras em que a esperança parece não encontrar a rua que leva à nossa morada. Quando o medo bate à porta e o deixamos entrar. Sempre que a dor nos contamina a alma e turva o olhar. De todas as vezes que o mundo foge e de repente nos vemos sozinhos...Quando as nossas mãos só conseguem agarrar o ar. Quando não nos ouvem gritar. Quando ficamos invisíveis ao Amor.

De todas estas vezes odiamos jogar com Deus. E odiamos ainda mais que ele jogue connosco.
Não entendemos. Afinal cumprimos as regras. Então porque é que nunca conseguimos ganhar? A nossa vitória corre sempre mais que nós e nós corremos sempre menos que as nossas derrotas. E nesta corrida, meio sem sentido e sem fim, vamos ficando sem folego, cansados demais até para ter fé.
Não queremos um Pai que nos faz sofrer. Que nos dá filhos doentes. Que nos põe na mesma estrada que um condutor embriagado. Que deita na nossa cama um marido infiel. Que faz de nós mais um número da lista de desempregados.
Não queremos um pai incompreensível que não dá tudo o que queremos e quando queremos. Sim, muitas vezes preferíamos ser órfãos.


Ainda bem que o meu Pai é diferente. Confio cegamente nele porque sei que me ama acima de qualquer coisa. O meu Pai olha por mim mesmo quando tenho o olhar desviado dele. Sei que está atento. Bem tenta falar comigo, dar-me conselhos, dizer-me que a direcção que tomei não me levará onde devo chegar, onde espera por mim a felicidade que procuro.
Nem sempre o oiço, tão convencida que estou sobre aquilo que acho que é melhor para mim e da maneira de consegui-lo.
Mas infinita é a sua paciência e ainda assim continua a falar comigo. Usa tudo e todos ao meu redor para chegar até mim. Com os lábios de alguns estranhos já cantou melodias que o meu coração reconheceu. E soube então a resposta para a pergunta. Com a fragrância das rosas da casa em frente, fez-me chorar de saudades da minha avó e lembrei-me que em pequena queria ser assim, uma mulher forte atrás das rugas e das marcas da vida. Ergui então a cabeça e fui invadida por uma certeza risonha que tudo estava no devido lugar.
Com telefonemas inesperados alterou o meu dia inteiro só para que eu pudesse conhecer aquela pessoa que me falou daquele livro especial que me levou àquela livraria, onde descobri outro livro ainda mais especial, que fui ler ao fim daquela tarde, àquela praia, em que encontrei uma carteira perdida…A carteira levou-me a outro telefonema que me levou a outras paragens. Paragens maravilhosas. Mas só percebi isso muitos dias depois daquele dia alterado pelo telefonema.


Estranhos são os desígnios do meu pai, porque curto é o alcance da minha vista. Mas são sempre a meu favor. Eu sei isso. Esqueço-me por vezes. Porque gosto de me esquecer. E zango-me com Ele. Porque é mais fácil que me zangar comigo própria.
Por sua vez, Ele nunca se zanga.Sabe como dói andar de joelhos a colher a erva rasteira dos nossos actos mal plantados. Conhece o sofrimento das partidas que não estamos prontos a aceitar. O desgaste do aluno perpétuo num ano lectivo sem férias. As lanças que trespassam a carne.
Compreende que que isto de ser Homem, também passa por ser a Força. E ama-me ainda mais pela minha coragem.




Porque me respeita, o meu pai está ao meu lado. Não à minha frente a puxar-me, nem atrás de mim a empurrar-me. Ombro com ombro atravessamos as veredas da existência que escolhi. Acredito que chora comigo. Não pelas dores das minhas quedas, mas pelo tempo que permaneço deitada no chão.
Também porque me respeita, não me levanta até que eu me queira levantar. Só assim vou conhecendo os meus limites e ganhando a confiança em mim para cair menos e por-me de pé com maior rapidez, retomando o caminho segura e mais sabiamente.

O meu Pai é um bom Pai. Liberta-me a céu aberto e permite-me ser Eu. Deixa que eu me descubra, perdendo-me por trilhos que não levam a qualquer lado. Que eu me defina, experimentando mesmo tudo aquilo que acaba por não pertencer à definição. Que cresça, magoando-me e sarando. Para esse fim dá-me tudo o que preciso. Mesmo o que chamo de castigo. Mesmo o que apelido de injustiça. Mesmo os obstáculos. Mesmo o que me leva a tropeçar.

E lá continua Ele, no banco do Jardim a olhar por mim enquanto brinco...
O meu pai também tem um bom sentido de humor...Espero! Pois só assim consigo entender a minha vida...e trocar com Ele grandes piadas.
IdoMind

about understanding

7 comentários:

muriloha disse...

Adorei a tacada de Mestre!

Viajante disse...

Olá IdoMind

Para além da rabula celestial, mais um texto cheio de sensibilidade e profunda reflexão sobre o sentido do Caminho e dos nossos "Anjos da Guarda" que connosco, por amor, fazem a caminhada e nos ajudam nos momentos mais complicados.
Se reparar o seu Pai deste plano não é muito diferente do Pai do outro plano, aliás em acho que Deus é uma realidade não compaginavel com a imagem do velhinho de barbas que funciona como uma especie de bengala nesta sociedade da imagem, que desde sempre caracterizou a sociedade ocidental.
Outra coisa importante é a IdoMind, embora critica de algumas situações que construiram a sua personalidade, reconhecer que as atitudes dos seus pais foram tomadas com amor e no sentido de a tornar mais forte, o que nem smpre acontece com muitos filhos.
Por último gostaria de dizer que nós temos de deixar de responsabilizar Deus por coisas que nós contruimos. Deus não nos manipula. Se assim fosse não passariamos de marionetes. O nosso livre arbitrío leva-nos a fazer coisas boas e outras menos boas e por uma questão de contabilidade cosmica nós recebemos em função do que damos.
Temos de ver esta passagem a que chamamos vida como a ida para a escola e o nascimento e a morte como o apanhar o autocarro de ida volta dessa escola. Enquanto for útil para o universo nós ficaremos quando deixar de ser útil partimos
Desculpa toda esta conversa, talvez seja porque já não escrevo nada há alguns dias

Um beijinho grande

Mais um texto para um livro de ensaios sobre a vida

O Viajante

IdoMind disse...

Palavras de Osho

Que bela surpresa...Gostei tanto da sua presença no Jardim.
Beijinho e obrigada

IdoMind disse...

Meu Viajante a precisar de férias,

Lol Era mesmo do meu pai celestial que eu estava a falar embora reconheça que o meu pai daqui, o meu gordinho, acabou por fazer o mesmo: deixar-me crescer à minha maneira. A diferença está na consciência.O que os meus pais fizeram ou não fizeram foram mais reflexo de problemas mal resolvidos deles e das suas próprias limitações, do que uma tomada consciente que as suas escolhas quanto à minha educação eram as melhores.

O meu Pai, o do post, tem essa consciência. Sabe o que é melhor para mim a cada momento e por isso nem sempre me dá o que peço, mas dá-me sempre o que preciso.

Escreva Viajante. Escreva sobre esse conhecimento. Escreva sobre a sua visão desta experiência.Tem tanto a partilhar porquê dize-lo com as palavras de outros? Desculpe, mas preferia ler aquilo que o seu coração lhe ditar...

Muitos beijos Viajante

Viajante disse...

Olá IdoMind

Tenho de me habituar a seguir os meus primeiros pensamentos, confiar nas minhas capacidades para detectar as mensagens que o universo me manda.
Talvez a IdoMind tenha razão e eu esteja a precisar de férias.

Um beijinho

O Viajante

Unknown disse...

«Estranhos são os desígnios do meu pai, porque curto é o alcance da minha vista.»

Texto absolutamente notável, até na introdução com aquela partida de golf!

beijo

Anónimo disse...

Nossa fé é o que temos de mais precioso nesse mundo. Se perdermos ela nos tornamos seres sem razão de ser.

Aconteceu algo. Eu sei. rsrs...
Você tá feliz... reparei isso.

Direto do Brasil.
Beijão moça de Portugal.

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