Sou muito mais antiga do que os teus olhos possam deduzir quando me miram à procura de um sinal qualquer do sim que precisas para avançar. Não te deixes iludir pelos ares que dou. Cá dentro, estrelas nascem e morrem em silêncio para me darem à luz. Constantemente. Mas é um processo secreto. Só meu. Engulo-lhes por isso o brilho de todas as vezes para que não me percebas outra. Já mudada. Por nós mudo o que começou por ti. Tu és a pergunta difícil que Me questiona. Que fica e recusa calar-se mesmo depois de uma resposta idónea que arranjei ali assim, no meio dos princípios e dos valores que me convém fingir continuarem a ser meus. Parece que me pressentes para lá do que pareço. Como um espelho das minhas caducidades a denunciar versões ultrapassadas, adulteradas, repetidamente copiadas, de mim própria. Tu não me permites falsificar-me. Não sem reconhecer que essa é a minha opção. Minha. E que podia ser outra. Se eu quisesse. Se eu me achasse capaz de suportar certos pesos sem lamentos. Sem arrependimentos. Ressentimentos. Sem ferimentos…
É que as minhas memórias vão muito mais longe que o primeiro “olá, como está? É o meu corpo que o diz. São os sonhos que o confirmam. Estive aqui antes. Lembro-me que amar era mais simples. Muito menos vergonhoso. E a felicidade era isenta da taxa de culpa que hoje a agrava. Que lhe põe um preço tão alto que a maior parte de nós não se dispõe a pagá-lo. Venho de um tempo em que as mulheres e os homens se encontravam para dignificar a Vida. Sabiam-se eternos pelo que o adeus ainda não tinha sido inventado. Nem outro pronome possessivo além do Nosso. Porque o Meu e o Teu ainda não existiam os homens e as mulheres eram livres. Uns dos outros…
Estranhas agora o meu diálogo mas esta já foi a linguagem que entendíamos. A única. Quando nos deitávamos debaixo das árvores deslumbrados com a Criação. E o Céu ainda não era alcançável. Era só azul e bonito… A fruta sabia a sentimentos. Sem o pecado. Tinha gosto de inocência. E inocentes permanecíamos depois a provar. De a trincar. Morder. De a comer com prazer porque há fomes que são sagradas. E nunca podem deixar de o ser. O cheiro da terra tinha poder na altura. Celebrávamos o Mistério e com gratidão aceitávamos o Seu convite para a Grande Festa. Éramos iguais então…
Olha o que o fizemos ao Amor neste intervalo entre o estado puro e os instintos metidos num fato com gravata. Virámos o mundo ao contrário e é claro que andamos perdidos às voltas com a impressão de nunca chegar a lado nenhum. De não haver mais para onde ir. Ou fugir. Mexemos na Ordem a que tudo obedece e condenámo-nos com isso à procura que não acaba. Aos encontros que não satisfazem. Aos comprimidos que adormecem o Apelo…
Vieste lembrar-me que embarquei nesta evolução esquisita. Carcereira de almas e de caminhos. Também eu virei a minha natureza do avesso e uso-a com acessórios para esconder suas vontades. Anda contrariada e por uma vez ou duas dei por ela a tentar arrancar os não devos e os não posso que lhe visto. Foi por um triz que não se despiu diante de ti e disse o que não devia. O que não podia…
Fui para a casa de banho pôr-lhe as roupas de volta pedindo a Deus um Novo Começo.
Outra Eva. Outro Adão. Outro testamento.
Um que permita o Amor e não que o proibia…
IdoMind
about skins that meet
4 comentários:
Permita-me não tentar interpretar nada e apenas e mais uma vez dizer o quanto suas palavras preenchem os vãos do meu sentir!!O seu texto sempre me encanta pela densidade da mensagem que oferece,pelo desabafo tão contundente, além da complexidade das emoções.
"E agora?" Uma pergunta como titulo que muito bem poderia exigir uma resposta,mas a única que vem é a lembrança do refrão de uma canção que eu adoro
"...Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer
E te querendo eu vou tentando te encontrar
Vou me perdendo
Buscando em outros braços seus abraços
Perdido no vazio de outros passos
Do abismo em que você se retirou
E me atirou e me deixou aqui sozinho..."
E com isso,minha caríssima amiga virtual, que muito bem poderia ser real tamanha a quantidade e qualidade da satisfação que sinto a cada texto que leio e releio, vou deixando por aqui um pouco das minhas impressões, não todas,já que eu também procuro me conter embora não pareça, até porque é sempre válido um pouco de mistério.
Cada vez que te leio a vontade é de estar por perto para ter uma conversa pra lá de agradável, daquelas bem saudáveis que fazem a gente ter medo de perder a pessoa que esta a nos acompanhar. Mas...como isso ainda não é possível, receba um pouco do sal do meu mar que por certo deve ser tão doce quanto o seu!!Eu por aqui vou ficando, cuidando tarefas do dia, desfrutando do aconchego do lar e do carinho dos filhos, afinal são eles que me fazem perceber a importância do pertencer, dos lastros afetivos, dos laços de amor e sangue, sei bem que podes entender o que digo!!QUE BOM TÊ-LA CONHECIDO!!!
Auch IdoMind Maria
este texto está, como disse a Márcia, contundente! Irra mulher, vai para além do poético, é divino!!!
Olha, que a nossa caminhada te leve agora a perder os medos, que este texto te sirva sempre para os fazer desaparecer, que ele seja a luz quando as trevas aparecem!
Força sis, tu tens muito para contar! É um prazer ler-te! :*****
Love ya
Márcia,
Não tenho muito a dizer depois do seu comentário porque ficou aqui no ar em forma de luz a clarear o meu dia...
Nós entendemo-nos bem.Este amor pela palavra leva-nos a ver e a procurar a beleza em tudo o que inevitavelmente nos faz belas :) É sério, a nossa sensibilidade faz-nos bonitas.
Nunca é demais agradecer os seus comentários genuínos...
Havemos de nos conhecer!
um beijo cheio de carinho
É possível ter saudades de quem não se conhece...?
Sis
Ui ui se tenho...
Não me orgulho de muitas coisas que já fiz, mas orgulho-me muito menos do que deixei por fazer com medo dos outros...
Isto passa num instante. Ainda ontem acabei a faculdade e hoje já passaram tantos anos que exerço...É rápido. Tudo é rápido.E tudo passa também...
Com honestidade, devíamos ter a coragem para viver a NOSSA vida sem merdas para que no fim, quando olharmos, a nossa conclusão desta passagem não seja " a minha vida foi uma merda".
Eu cá não quero isso! Faço asneiras? Faço! Paciência. Pelo meio dei uns amassos, ri, comi picocas na praia à noite e esqueci-me do frio...:)) É assim que quero, olhar para trás e dizer " A minha vida foi um filme muuito giro".
Amo-te Thelma...
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