agosto 28, 2012

GO(o)D FOR ME



Estava nitidamente nervoso. Pegava e largava pequenos punhados de areia como se lhe estivesse espremer alguma solução urgente, uma mensagem secreta encriptada grão a grão. E lá foi ele para uma terra distante seduzido, ainda não descortinara, se pelo aconchego da fuga ou pela expiação nas preocupações que levou para a praia connosco. A testa tensa denunciava que a fuga fora tentada, sem sucesso porém. Ele estava sitiado num beco rectangular com paredes matulonas, arruaceiras e sem intenção de se desviarem para lhe permitirem a passagem. Ele estava sozinho num beco rectangular que encolhia.
Eu não sabia como se ia ali ter. Tinha o casaco de cabedal, tinha o carro rápido, tinha o amor suficiente para não ver o perigo, nem sentir o medo e ir resgatá-lo. Tinha-o em mim o suficiente para colar o meu ombro ao dele e desafiar aquelas e todas as paredes que rompessem entre aquele homem e a sua felicidade. Mas eu não sabia a direcção da rua onde ele se perdeu da esperança e seguiu desprotegido. Tinha sido visto a rir pela última vez há cerca de um mês, à hora do lobo, no Cais, com o nariz escondido por gelado de chocolate. Foi entre essa espécie de sonho real e o acordar paulatino dos dois dias seguintes que se perdeu. E desapareceu.
De nada adiantava ir à procura de quem não sabe que quer ser encontrado. Esperei. Como não estava perdida, abri-lhe a mão que não torturava a areia por respostas e dei-lhe um euro:
- Eras tão lindinho se fosses buscar um café à doutora, cansada, preguiçosa e hipotensa… - coloquei depois vinte cêntimos em cima do euro que se transformaria em café  – vá, podes trazer rebuçados para ti.
Veio da terra distante à boleia duma gargalhada.
- Desculpa. Viemos para relaxar e ainda não parei de consultar e revisitar a agenda mental que tenho em vez do cérebro. Desculpa -  parou e deve ter-me visto, com certeza, arenosa e torturável:
- Sílvia, há Deus?


- Bom, agora é que preciso mesmo, mesmo do café! Vamos. Sentamo-nos ali na esplanada que essa questão não pode ser respondida de biquíni deitada numa toalha com chamas a dizer “ Hot Hot Hot”. Se Deus existe ainda se ofende e dá-nos cabo do dia com chuva e de nós com um raio na tola de alto a baixo.
- Ingrata! Era a única toalha que tinha no carro e além disso combina providencialmente contigo. Fica para ti.
- Não tenho mais euros… E não faço pagamentos em géneros.
- Estás por um fio míuda. Por um fio!- advertiu-me com carinho e uma dentada na bochecha.
Lembrei-me de narizes achocolatados numa noite de lua nova e percebi que a minha esperança e eu ainda não nos tínhamos perdido. Isso era tão bom.

- Gosto de me deixem em paz quando não sei se Deus existe ou não e por isso não te disse, nem perguntei nada, apesar de saber que andas desassossegado com alguma coisa. Não sei o que é e vou continuar sem te perguntar. Gosto também de resolver os meus problemas sozinha, pelo que me vejo sem legitimidade para te impor a minha ajuda. Que poderia até nem ajudar. Assim, e uma vez que pedes, vou dividir contigo a imensa sabedoria recolhida das muitas gastrites nervosas, de algumas situações esquisitas e dos milagres pessoais celebrados em privado.
O meu credo assenta neste terço que começa com a doença, sempre na alma, até às curas milagrosas que me restituem com mais saúde e mais inteira. Um pouco mais ousada.
Se Deus existe? Sei lá. Eu tenho um. Se Ele existe porque eu Lhe dou vida ou se Ele existe antes de toda a vida, para mim é irrelevante. Eu escolho ter um Deus. Porquê? Porque me faz sentir melhor. É só isto.
Não preciso Dele para o culpar pelo resultado das minhas péssimas decisões. Não preciso Dele para ser boa pessoa e fazer o que as boas pessoas fazem. Não preciso de Deus para me castigar. Nem castrar... Eu não preciso de Deus para justificar uma vida medíocre encostada à sombra da cobardia.
Só preciso de Deus para estar comigo.


Agora, daqui a meia-hora, amanhã, para o ano que vem, até ao fim. Sem folgas. Neste café, na tua dentada de há pouco, no processo que me tem tirado o sono, no futuro da minha irmã, no alto de cada poço em que caio e fico.
Eu preciso do Propósito que só Deus me dá.

- E se não há propósito nenhum. Não será mais cobarde inventar uma Força que criar a nossa própria força?
- Há diferença? Com Força ou sem Força, tens de forte. Tens de viver na mesma. Tens de pagar na mesma. Tens de assinar os papéis do divórcio na mesma. Tens de fazer mudanças na mesma. Tens de continuar…na mesma. Com diferenças… Entre atravessar isso tudo sem propósito e superar isso tudo POR um Propósito, escolho ter um Deus que não joga aos dados. E me quer no sítio certo à hora marcada. Isso faz-me sentir melhor. Duplamente mais forte.
Se Deus existe? Isso importa? Para quê? Talvez a verdadeira questão esteja no facto de a teres colocado e na necessidade de a veres respondida. Farias diferente se tivesses a certeza absoluta, cientificamente comprovada, que Deus existe? Não será esta afinal a questão que te dará a resposta que precisas e a orientação que buscas?
Tu existes.
Tu existes na minha vida. Foi o meu Deus que te trouxe mas fui eu que te convidei a permanecer. Mesmo quando todos os outros regressaram às suas casas. Ou vão indo e vindo. Tu continuas aqui. Com o meu consentimento. Esta é parceria que tenho com Deus. Ele traz-me os convidados e eu decido se há festa ou não.
Olha, eu existo. Eu existo na tua vida. Posso ser fruto do acaso ou filha de um Deus maior. Posso não ter propósito nenhum ou trazer-te uma carga de trabalhos ou de presentes que te vão pedir que largues a pele e aumentes de tamanho. Posso não servir para nada ou podes precisar da minha espada contra demónios, problemas com garras ou pessoas parvas.
O que te faz sentir melhor?
IdoMind
About means and meanings

4 comentários:

Marcia Toito disse...

Foi o seu Deus ou o meu Deus que te trouxe até aqui?Sim, até aqui..."longe dos olhos e dentro do meu coração"Fica porque quero!!

IdoMind disse...

Convite aceite. Com muito muito amor :)

Onda Encantada disse...

Seja lá qual Deus for, ou nenhum Deus... mas que te traga o melhor dos sentidos para a vida, o melhor dos sentires para a vida...
Mas digo-te por experiencia própria, nunca perdemos o nosso Deus só porque os outros vão e regressam... e esse é o maior triunfo de todos... é que nunca estamos sós :)

By the way... amei loucamente as BD's! se soubesses como sou apaixonada por "tirinhas"

<3

IdoMind disse...

IdoMind disse...
<3
Eu, pelo menos, nunca estou. A não ser quando me isolo. Até Dele.

O meu maior triunfo é conseguir ficar nem que seja um centímetro maior, melhor, independentemente de tudo o que vai, vem, volta, desaparece, magoa,faz pensar, liberta...

O meu maior triunfo é permitir que isto tudo me adoce por muito azedo ou ácido que possa saber :)

Ai Ondinha :))))

um beijão

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