As suas
primeiras palavras eram invariavelmente pedidos de desculpa quando ali ia
daquela maneira. "Desculpa! Desculpa! Desculpa!" dito a valer,
com os olhos quase a tocar a nuca de tão cerrados que os punha. Pesados. Com a
culpa pelas distâncias que achava que percorria sozinha e desligada.
Para bem longe de todos e para muito longe de si.
Havia
dias, convertidos em meses, em que não queria saber se era infinita ou se tinha um
prazo improrrogável a pender-lhe na consciência e a mandá-la viver em
condições. Com juízo. Com respeito. Sempre. Em toda A Parte. Mas que não se
esquecesse da audácia que chuta os pernas para a fronteira entre os abismos e
o aprender a voar. Guardara sempre um ou
dois quilómetros confortáveis entre o agora e o abismo. Ela não sabia
se voava.
Que
vergonha. Uma mulher feita que não sabia voar.
Estava-lhe
a dar para se contrariar com a vida e o seu despropósito. Estava a dar-lhe
forte nestes dias convertidos em meses. De tal ordem que chegou a desejar que
não existisse nenhum Além, além dela, para que ela existisse como quisesse. Sem
se policiar. Nem sentenciar. Sem se interessar por ouvir a voz dos
céus nas pequenas geometrias com caras e relógios que lhe iam indicando se
as suas vontades eram coincidentes no passo que ela estava prestes a dar. Nunca
ia a lado nenhum sem atenção. Foi por isso que só aprendeu a andar.
Belo lugar para o qual havia sido conduzida pelas suas convicções.
Quem lhe dera ser livre do espírito. Poder terminar o namoro com a alma
para ficar a viver apenas com a inteligência. Davam-se tão bem.
Sim.
De tão cansada, estava especialmente parva. Reconheci-o naquele momento sem norte
ou qualquer outra direcção que lhe desse um encontrão no ombro gritando
"Na minha luta está a minha Glória. Agradeço-te Senhor por me mandares a guerra
e me dares a Espada" como gritavam os guerreiros antigos doando o
corpo ao Fado, sempre de pé.
A dúvida levou à crise que levou à pobreza que a levou a ela. Estava tudo em questão, susceptível de ser discutido, revogado, substituído ou
mantido depois de reforçado. Sincera e brutalmente validado. O
que ficaria depois desta Entrega?
Vivera
iludida na escolha que na verdade nunca teve. O alcatrão é afinal
feito de água e escorre obediente a desaguar-se pelo curso invisível que
conhece desde o Princípio de tudo. Indiferente às represas levantadas pela
vontade medricas de manter os pés secos.
Vira muitas casas firmemente casadas
com o chão, a estremecer com a corrente. Caíram inteiras e nem os dedos de
todas as mãos bastaram para suster o choro jorrado pelas paredes. As fundações
afundaram-se. O solo rijo tornou-se mole e fez-se barro. Ou lama. Uma vontade
alagada nem sempre consegue distinguir o que é aquilo que fica depois da
catástrofe. São os escombros a esconder as margens lavadas e prontas para de
novo se moldar o dali para a frente.
Por
isso não se escolhe, aceita-se o Desafio sem saber como e quando e em quem
acaba.
Há
três catástrofes atrás, lembrava-se de ter falado consigo para que da próxima não
se esquecesse de pedir que lhe ligassem as luzes da Estrada para ver melhor o
estado do piso. Detectar obstáculos. Para destapar os acessos e as saídas e os
lugares a que iam dar. Mas o tempo acontece. As decisões sobre o que fazer para
jantar e o melhor seguro de saúde atravessam-se, atirando o lembrete
sobre a Iluminação que em tudo é essencial, para último lugar da pilha na
sua secretária mental.
Via-se sem nada para dizer excepto “Desculpa... Desculpa... Desculpa...”.
Mordera o berro do guerreiro e negou-se à luta. E com isso à Glória.
Acreditou-se autónoma. O
medo havia-a tornado arrogante. Convenceu-se que tinha um autocarro por
sua conta e não viu que ia lotado. As paragens em que não saiu, e cujo sentido
lhe escapou, foram importantes para alguém. Houve um homem, houve uma mulher,
houve um homem com uma mulher, houve uma criança, várias, com o pai, com a mãe,
só com a avó, houve quem precisasse de abandonar aquele destino. Ou descansar
por um bocado. Andar a pé...Esperar que a Estrada recebesse Luz para ver por
onde ir.
Na dela brilhava um holofote e a seguir às desculpas houve um agradecimento.Tão sentido.
Havia uma paragem na qual muitos passageiros se juntaram para lhe traçar um novo rumo.Grata, redigiu com a mão direita outro lembrete a dizer " Confia."
Havia uma paragem na qual muitos passageiros se juntaram para lhe traçar um novo rumo.Grata, redigiu com a mão direita outro lembrete a dizer " Confia."
IdoMind
about sudden and quite disturbing movements of the earth around Ericeira
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