julho 25, 2012

Nós importamos



- Estás tão calada. O que achas? Duvido que não tenhas opinião sobre o tema. Isto deve mexer com essas tuas convicções, que tão fogosamente defendes – desafiou com o ar- de- alfinete, como que a querer uma reacção, uma qualquer, mas uma reacção.
Já havia, é claro, pensado sobre o assunto. Ele tinha razão. Muitas e muitas vezes. Todas as conclusões a que chegara, travaram à porta dos domínios do inexplicável. Aceitara-o. Há campos onde crescem mistérios conforme amadurece a fé de cada um e a vontade, também ela nem sempre explicável, de perguntar porque temos pernas e não patas, jardins-de-infância e não campos relvados de perder de vista. Porque é que temos culpa a tingir-nos o instinto. Quem foi afinal que deu à luz, dentro de nós, aos sentimentos? Já vêm agarrados a uma célula rebelde qualquer ou são plantados a cada colherada de sopa, às letras que se aprendem a juntar e aos saltos altos que se calçam? Onde e quando nos separámos do resto da criação e decidimos desenvolver uma consciência de quem somos. Como foi que isto que isto aconteceu e, talvez mais importante, para quê?

Nunca chegou a saber bem se dormir pouco era um poder, como aqueles dos super-heróis, que os tornam pessoas melhores e ao serviço dos outros ou se era uma doença, dessas esquisitas que criam um sentido de divisão tão grande entre o doente e o resto do mundo, que à medida que a doença avança, fica mais difícil regressar ao sítio onde não estão as coisas selvagens.

Porque ainda precisava de comer e pagar mensalmente ao banco a concha na qual se recolhia para filosofar consigo mesma, guardava para si a maior parte das questões, tocando, nalgumas noites mais compridas, a compreensão de que é sabedoria e não elitismo preservar em arcas fechadas alguns conhecimentos. Seria cobardia disfarçada? Medo camuflado?
É que na falsa Era da Liberdade, a única que existe é a de ser igual a toda a gente. Há uma normalidade padrão que acusa a diferença, como um alarme sonoro, muito ruidoso, que só se cala quando todos decidirem como é cada um deve viver a sua experiência única. Tão pessoal. Todos os dias ocorrem atropelamentos e, quer por acção, quer por omissão, os registos criminais da humanidade estão manchados pelo desrespeito pelo próximo. É assim, a correr em círculos sobrepostos que nunca se sabe onde se está, o que se quer e se esquece porque viemos até cá. A atenção ainda fica presa em quem pergunta e não na própria questão, em quem afirma e não na afirmação. 

Não. Não era cobardia. Não era medo. Apenas espírito prático. Desenvolvera a sensibilidade de falar menos e ouvir mais para discernir quando iria honrar a magia das palavras ou só usá-las em benefício próprio.Como acontecia naquele momento. 

Falava-se de suicídio. E falava-se de suicídio como se falava das últimas medidas governamentais. Talvez fossem similares, de facto… A doutrina pós-farto jantar e “vamos lá falar de qualquer coisa e servir como sobremesa uma solução instantânea para os problemas mundiais” dividia-se entre os que achavam um suicida alguém muito corajoso e os que quase rezavam para que a ressurreição fosse verdade só para esse medroso (ou merdoso, não entendera bem) nascesse de novo para ser castigado por tão vil acto.
Preferia ter ficado calada, mas só o iria conseguir depois falar porque pararam à espera da sua opinião.

- Não me compete julgar as escolhas dos outros, apenas reflectir nas minhas próprias.
Não acho que alguém acorde, se espreguice, levante da cama, olhe pela janela e pense para si:
- “ Que belo dia para me matar.”

Excepto casos patológicos, acredito que o suicídio é o culminar de um estado de profundo desespero interior. E se estão numa de ir mesmo, mesmo ao fundo da questão, é, sem rodeios,  a solidão que conduz ao frasco de veneno, ao gatilho nervoso, à corda que faz o nó.
Por isso, o que quer que pensem do suicida é o que devem pensar de vós mesmos. Em que medida é cobarde ou corajoso viver com olhos tão pregados no umbigo que não se vê o que está à frente. Ou não se quer ver… Essas pessoas dão sinais.
O sentimento de separação, de rejeição, de impotência ou qualquer outro que a tenha levado a considerar pôr termo à própria vida como a única alternativa, é responsabilidade de todos. Do peso que descarregamos nos outros, das expectativas, quase cruéis, com que os investimos. Da falta de amor, de interesse. Da ausência da palavra simpática, do gesto carinhoso, do “parabéns, excelente trabalho” que fica por dizer, do “ vem até lá a casa” que nunca arranja tempo para ser verbalizado. Ou realmente desejado.

Juro, não estou a criticar. Eu já tive vergonha por estar tão distraída fora de mim, a visitar motivações alheias, que me esqueci de perguntar se eles próprios precisavam de alguma coisa. Companhia, talvez. Às vezes é quanto basta…Por isso, quem sou eu para qualificar uma decisão tão atroz em termos de sofrimento pessoal, como desistir de viver…?

E já agora, quem somos nós para obrigar alguém a continuar? Pior, a condená-lo por isso.
A nossa obrigação termina na amizade, na mão estendida e nos ouvidos disponíveis. O resto não é connosco. É respeito.

E sabem que mais, o suicídio não aparece adulto. É semeado, é nutrido, é vigiado. É uma ideia que cresce e um dia, como uma erva daninha, o suicídio matou a vida dentro da gente. Prefiro ter boas ideias, boas conversas, boas atitudes. É assim que mantemos a nossa plantação sadia.
Vamos por isso brindar à vida, aos laços que não nos deixam cair, ao silêncio onde falam os anjos dos outros e à coragem… à coragem de assumir que conseguimos mais que pagar impostos e fazer reciclagem. E fazê-lo.

IdoMind  
About true honesty

julho 13, 2012

Danças?


Apesar de saber que já deveria estar a caminho, o corpo discordava recusando-se ao mais pequeno movimento para iniciar a marcha. Ficou um bom quarto de hora sentada no carro com as mãos no volante. Viu o casal da frente, na ginástica matinal do costume, a arrumar os três filhos dentro do valente Renault Clio, há muito a merecer um enterro digno.
No jardim ao lado, o Sr. Vítor resmungava do mundo, sobre o mundo, para todo o mundo. Nem ela, nos cinco anos a que ali morava, tinha conseguido largar uma singela gota de mel na disposição daquele viúvo, que ao contrário do Clio do casal da frente, já se havia enterrado vivo à nascença. 
Ainda conheceu a esposa, a Dona Laura, e muitas vezes se perguntou se seriam do tempo dos casamentos arranjados pois estavam um para o outro como Vénus estava para Plutão. Sem ser inconveniente, perguntara-lhe certa vez como fazia para não se deixar atingir pelo mau-humor do marido. Respondera a rir que a felicidade se cozinha com a dose certa de cegueira e falta de audição. E que o sexo era razoável…As gargalhadas explodiram, é claro. A Dona Laura era uma pessoa-primavera. Agradável, bonita, com uma frescura que preenchia cada uma das suas muitas rugas com flores e com sol. Exalava o ar puro de quem se basta a si mesmo para encontrar todos os bons motivos para estar vivo. Gostava-se de estar perto da Dona Laura. Partira para florir o céu há uns meses, após uma gripe mal curada que se transformou noutra coisa e no pretexto que foi preciso para justificar a missão cumprida e a necessidade de ir cumprir outra.
Estava tão atrasada!!
Regressou à Terra e percebeu que tinha mesmo de tomar uma decisão. Agora! Ou a decisão seria tomada de qualquer maneira porque a vida tem horários para cumprir. 


Se por um lado lhe agradava a ideia de pular para dentro do sonho, por outro lado os sonhos têm isso de desfechos imprevisíveis. Têm desvios esquisitos para terras nunca vistas. Personagens que não conhecemos de lado nenhum que nos dão conselhos, enviam mensagens estapafúrdias e, às vezes, só estão ali, connosco, como se afinal nos conhecessem desde o tempo das fraldas. Ou mesmo antes. Do tempo que não se mede pelo relógio porque não tem uma hora a partir da qual se contam todas as outras horas. 
Os sonhos são perigosos. Como portas entreabertas daquela divisão que nos advertiram para não abrir e não espreitar…

Ir para Moçambique como voluntária era o sonho a pedir o pulo. A proposta para ir em Setembro era a porta aberta. Escancarada. Mas ela ainda estava na parte da advertência.
Sempre fora obediente e pouco dada a meter os dedos nas tomadas eléctricas para descobrir se davam esticões. Comedida e prudente, grande parte do conhecimento adquirido proviera mais da observação, do que da experiência directa. Será razoável dizer que a sua personalidade era produto da soma de 70% de ver e aprender e 30% de fazer e saber. Sim, também gostava de cálculos. Contas com resultados positivos. Encontrava paz em operações matemáticas inteligíveis e cristalinas. Aborrecidas para muitos talvez, mas para ela absolutamente necessárias ao seu sono e à sua saúde física e mental. Calculou a idade com que estava, os preços das suas responsabilidades, o já conseguido e o a conseguir. Calculou o a perder... 
Porém, a regra dos três simples não estava a resultar. Nem qualquer outra regra. Percebeu mais tarde porquê. A fé não entrava na equação. A fé era a equação.  
“Mas porquê é que eu fui àquele jantar - chegou a perguntar-se num misto de arrependimento e fatalismo bom – Se tivesse ficado quietinha em casa a ver os Simpsons ou ido à praia, nada disto estava a acontecer”.
Mas não tinha ficado e não tinha ido. O jantar acontecera e o convite do Presidente da Associação de Ajuda Humanitária que promovera o evento, para ser voluntária em Moçambique a partir de Setembro, também.
A ponte do mundo dos sonhos para o mundo do Homem tinha sido estendida e cabia-lhe agora escolher em que margem continuar a contar as horas do relógio que não marca o tempo.
A indecisão arrasava com ela. Não era o aceitar ou o recusar que a consumia. Isso era simples. Penoso era o calvário até pedir que lhe marcassem a viagem ou antes informar  que agradecia muito, mas que ficava para uma próxima oportunidade. 
Todo aquele processo de prós e contras, de “o que tens a perder” e o “estás doida?” era muito desgastante. Já tinha passado por aquilo uma vez - uma decisão que não era uma simples decisão, mas uma Senhora Decisão. Com letra grande. A negrito!

“Se estás à espera que te dê uma palmada nas costas e diga que deves, sem qualquer relutância, arriscar, não vieste procurar a pessoa mais indicada. Antes de escolher a estrada pergunta-te porque precisas da viagem. É tudo o que tenho a dizer-te. Querida, a resposta está no motivo e é o motivo que te vai levar a fazer a verdadeira pergunta – quero fazer isto por este motivo?

Deu à chave, engatou a primeira e arrancou com um sorriso infantil cinzelado na alma. Agradeceu em pensamento àquela amiga e àquelas palavras entornadas anos antes numa esperança, para hoje regarem providencialmente uma outra.
Queria ir por Aquele motivo. Queria muito.

IdoMind
About where we should be

julho 10, 2012

Saltos de Fé

Para onde pensavas que ias? Pára, para que a lembrança de que o mundo é redondo te apanhe e te faça rir. Em que canto julgaste ser possível observar a vida passar, sem dar por ti, ali, sentado e sozinho sem ter vontade de inventar uma nova viagem e um novo destino?

O que fizemos este tempo todo? Andámos às voltas. Com as mesmas coisas. As mesmas pessoas mas com outros rostos. As mesmas dores nos mesmos sítios. As mesmas perguntas feitas de muitas formas diferentes. A mesma resposta. Andaste a fazer o mesmo que eu – atrás do teu Lugar. Aquele Lugar. Com sombra e água perto. Com os pássaros a falar sobre a felicidade na língua que os pássaros falam. O Lugar onde se entra nú e assim se fica porque não é preciso esconder nada. Nem há frio. Ou vergonha. Basta chegar. Querer ficar. E depois basta ser.

Andei, como tu, a aprender que o Lugar não existe. Constrói-se. De sins e de nãos e de talvezes. De cedências e desistências. De adeus que não se dizem, executam-se. Fria, dolorosamente. Ou não. De sacríficos afinal só estúpidos, desnecessários e prorrogados para lá do prazo razoável a entender que não há dignidade no martírio. E que é só isso que a Vida espera de nós. Que sejamos dignos dela, vivendo-a com a mesma Graça com que nos é oferecida.
Esta foi a lição mais complexa. E tive mesmo de parar. A pergunta era demasiado séria para ser feita em andamento ou a correr. Estava a questionar o meu direito à Liberdade.


Quando parei, percebi que Deus era ridículo. Despejei Deus do meu Lugar e deixei o espaço aberto e limpo para O que viria amorosamente pedir-me apenas que fosse feliz. O que não fica contente se eu não estou. Que não me pede feridas em troca de uma absolvição que só Ele precisa, já que sou Sua criação. O que nunca ouviu falar doutro pecado que não o de desconhecer o Amor. Ou de não o levar connosco e apregoá-lo em toda a parte, a todas as nossas partes. 
A minha primeira volta aconteceu com este divórcio do Deus dos outros para descobrir o meu próprio.
Não te iludas. Não ficou mais fácil. As decisões estavam agora por minha conta e deixou de haver recompensas para depois da morte, só colheitas em vida. Como sou regrada e ainda preciso de um fio que me guie até onde a luz se acende, segui a Lei que manda amar os outros como a mim mesma e, pelo menos tentar, não lhes fazer o que não gostaria que me fizessem. 


Não tem corrido sempre sempre bem, mas sei que tem sido sempre para meu bem. Como é que sei? Porque me sinto bem. Bem melhor. E porque faço o Bem, não por medo, porque tem de ser ou sei lá porquê. Faço o Bem porque me faz bem.
Sei, porque escrevo com a mão solta sobre a leveza que me vai no coração. Na alma. Perdi peso nestas minhas voltas e até a alma ficou em forma. Estamos as duas muito bem. Falamos e tudo. Às vezes até a percebo. Fazer o que me sugere, o que me berra, por vezes, isso é outra questão.... Ainda tenho dietas a fazer e regimes a seguir. Depois do Verão… Quando começar outra volta. 
Eu e a minha alminha, juntas no regresso às aulas para um ano cheio de lições para o Grande Livro da minha humilde, bonita e cada vez mais abençoada Existência.


O que fizemos este tempo todo? Dissemos adeus. Esgotámos prazos. Chegámos a conclusões quase clarividentes enquanto conduzíamos. E abanámos a cabeça no “como é que eu fui capaz de achar que aquilo era o melhor” um pouco incrédulos connosco mesmos e com os limites que se foram alargando sem darmos conta ,até que os limites deram conta de nós…
Andámos a mover acções de despejos ao Deus de toda a gente e de ninguém.
Estivemos a arranjar espaço, a criar cores, a chamar os passarinhos.
Estivemos a construir o Nosso Lugar.

IdoMind
About...not minding

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