dezembro 26, 2013

Those We Don´t Speak of


Não faz mal.
Ainda andas por aí, naquele vento que de repente se levanta e me desvia a franja só para me dar um beijo na testa. 
Estás nos degraus do metro e no casal que os sobe de dois em dois. Reconheço-te na indiferença deles à gente que passa sem os ver desaparecidos num beijo. Bastam-se e basta o amor. Agradeço-lhes em silêncio por terem esperado por mim para me mostrar que não sou especial.
Passeias à minha frente, no horizonte que invejo por te manter só para ele, protegido do meu pressentimento de que somos inevitáveis. Oculta-te, como se fosse preciso confiar que do lado de lá, os nossos caminhos se encontram e conversam  sossegados sobre sinais. Sinas. Sobre nós.

Por isso não faz mal.
Que estejas bem, longe. Ou não.
Ocupas-me da mesma maneira o chuveiro de manhã. Vens na água que me percorre. Se escorre. Limpa. Espreitas-me todos os  centímetros como se fossem teus, para ver se é tua marca que visto. E é ti que cheiro  naquele momento meu. Na intimidade ritualista, confidencial, à porta fechada, sou tua, mulher.
Tu resistes na fidelidade serena que não me deixa satisfazer com menos do que o tudo que tens para mim.
E não faz mal. Não faz mesmo.
Existimos. E sabemos disso.
Eu sei.
Sei-te.
Em cadeiras vazias. E noutros espaços impossíveis de ocupar.
Em fins de tarde, nos adeus ao mar, nos pés coberto pela areia gelada que gentilmente os vem tapar. Sinto a tua falta sem saber quem és e descubro que a solidão é afinal paciência com uma placa a dizer "Reservada".

Será parecido contigo?
Algures estarás tu a perguntar-te: é só isto?
A minha vida, é só isto?
O que mereço, é só isto?
O meu coração, é só isto?
Amanhã, de novo, é só isto?
Eu...Eu sou só isto?
Algures já não haverá suficiente para ti.Se for parecido contigo.
Nem sequer as mudanças súbitas servidas em bandejas douradas.
Vai ser como quiseste quando já não quiseres mais.
E então vais fingir. Justificar. Do erguer ao deitar.
Mas nesse algures será só isso, uma insatisfação.
Virás, um dia, cansado e faminto, confirmar que tinhas razão- eras muito mais do que aquilo.

Verás então a minha sombra, dançando em cima do sábio horizonte, que oculta o que deve ser conquistado depois de pressentido.
Chegarei a ti também na forma de brisa, a brincar-te ao ouvido, pedindo que continues só mais um bocadinho. Que acredites. Só mais um bocadinho. Por favor. Posso estar no café da esquina seguinte, com uma chávena de chá nos lábios, a sonhar acordada contigo.
Talvez te convertas a uma religião se algum anjo te atingir para que voltes a cabeça e me vejas. Sentada, na mesa perto da janela, de volta do rascunho de uma história acerca de pessoas que um dia querem mais. Exactamente como me imaginaste. Ouvindo música é claro, de caneta na mão. Vestido discreto, curto,  e o cabelo largado sobre um dos ombros, para que o outro fique desimpedido para ti. Sei que quando chegas gostas de descansar nele o teu rosto e roubar-me os restos de perfume ...Eu gosto que o faças. Vais reconhecer-me assim. Com um ombro disponível para ti...

Terás de não ter medo e entrar. Ficar de pé à minha frente e dizer olá. Sorrir-me.
Talvez não perceba logo que és tu. Já me enganei uma vez e fiz dez anos em apenas um. Estou bem mais velha e a minha visão deixou de enxergar o que não posso explicar.
Ajuda-me. Fica e relembra-me o porquê das perdas.Fala-me da Espera...
Senta-te se necessário até que te dê o sorriso rasgado brindando a tua chegada. O que farei com emoção indisfarçável, se bem me conheço e o mundo não me domar até lá.
Terás de arriscar o não. Pega-me pela mão e leva-me dali. Não pares nem olhes para trás até estarmos tão afastados que só restamos nós. E o som das nossas respirações aceleradas, cúmplices, fugitivas. Inocentes...
Terás de ser tu a começar a livrar-nos da saudade que nem sabíamos que tínhamos.  Num beco, num parque, de carros ou com árvores, junto ao rio, não interessa, puxa-me para ti para que te sinta o descompasso. Abraça-me como uma promessa que não voltarás a perder-me e afirma-o. Grita-o se necessário, para que fique registada neste tempo, por todo o tempo, a declaração da nossa indivisibilidade.De uma vitória.

Prometo-te que estarei por aí, como me imaginas, sentada a jardinar sobre a vida, seus sonhos, o vento e a brisa, até que chegues e me leves segura pela mão.
Por enquanto vais estando aqui, também em cenas bonitas de filmes que vejo e me trazem a esperança de que algures já acontecemos e novo aconteceremos.




IdoMind
                                                                                                                   about strange strangers
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