março 29, 2012

Parar sem congelar

- Eu enfrento o medo. Não te enerves. Mas não te parece razoável que primeiro conheça a cara do inimigo? Se sair por aí a esgrimir contra tudo o que me exige algum trabalho interior posso acabar por ferir de morte o que me sustenta na hora da luta. Lembras-te do vick vapospray? Horrível! Dormir com o mentol aos pontapés no nariz e aquele frio pavoroso no peito. No entanto, de manhã, estávamos tão frescos como o vick para irmos para escola, mal nos lembrando das dores de garganta e a abusar do ar aspirando-o nas doses xxl, que antes do creme só entrava na versão xs.
- Tu és impossível! Eu estava a falar a sério de coisas sérias e era vick vaporub!
- Só porque tem graça não pode ser sério? Se engraçássemos com as coisas sérias da nossa vida, viveríamos em Graça.
- Eu estou mais para o desgraçado. Queria tanto ter a certeza que estou a agir correctamente. Pelos motivos certos e não por medo.
- Queres-me séria, não é? Vamos então a isso que ficas muito mais engraçado sem sombra. 


Não tenho talento para psicóloga e chego a duvidar se tenho jeito para ser pessoa mas, uma vez que pedes, dar-te-ei a minha opinião honesta e, provavelmente, vais concluir que quem precisa de ajuda profissional sou eu. Só te posso falar de mim e repartir contigo como é que foi seguir em frente com aquilo que ficou lá trás. Com o que decidi trazer e com o que veio sem convite. A mulher que tens diante de ti, considera o que acabaste de dizer bastante infantil.
Não tens dez anos para precisares de supervisão para viver. De uma validação exterior para os teus actos. Só as crianças que ainda não tiveram nem tempo, nem espaço para irem construindo o seu próprio quadro de valores,  necessitam de conformar as suas decisões pelo que lhes dizem os adultos. Por aqueles que já tiveram muito tempo e muito espaço para distinguir o trigo do joio e transformar um em pão e outro em lume. Mas até as crianças crescem e o quadro de valores dos pais, dos avós e de gente com réguas, a melhor razão  e todas as respostas, fica apertado e deixa de servir. Grande parte da nossa existência, se não mesmo toda, é passada entre o esboçar e o apagar das nossas heranças morais. E imorais.



Os míudos tipo aqueles do fundo da sala, libertam-se do quadro ao murro. À rebeldia, à desobediência, ao aleijar o mais possível porque agora é a minha vez e à minha maneira. Têm graves problemas auditivos, do pouco uso que dão aos ouvidos, e estilhaçam o quadro com os pulmões. Muitas destas crianças não chegam a crescer. Não se soltam do quadro nem constroem o seu próprio. Vivem desenquadrados.
Os míudos da fila da frente, esses tomam antidepressivos. Levam uma vida a libertar-se do quadro, do qual pensaram ter saltado fora com o primeiro emprego ou a primeira casa. Ao quinto emprego ainda não são capazes de dizer que não, de  pedir um divórcio, de partir de propósito o copo no restaurante. Têm problemas de expressão. Questionam o quadro. Odeiam o quadro. Culpam o quadro pela inércia e pela cobardia que os mantêm enquadrados. Acabam quadrados.
Conheci um caso triangular, porém. Foi para o Egipto porque estava convencido de ter sido sepultado numa pirâmide com o Faraó e precisava de lá voltar para perder o medo reverencial que tinha pelo pai actual. Pois...

Essa certeza que queres, és tu à procura da porta, dentro do teu quadro, para o corredor a seguir. Não tenho a certeza que a alcances enquanto não abrires outra porta, a da saída.


É preciso correr, cair, abrandar e cair na mesma porque há pedras com o nosso nome inscrito. É preciso aprender a saltar… Estender as mãos, largar outras, dar os ombros e pedir por um. É preciso ficar sozinho. Abandonar e ser abandonado. Terias de ter sido pai e filho, preto, chinês, gostado de homens, mulheres e tudo à mistura. Terias de ter sido mal-entendido e entender mal. Não te quereres dar a entender. Precisavas de ter entrado em todas as casas e ficado uns tempos. Sentares-te na sala de estar doutros quadros e ficar à conversa sobre a correcção e incorrecção do que por lá se pratica.

É louvável a vontade de agir bem. É a mesma que me motiva. Tens aí a tabela que me emprestes? Essa das duas colunas com um risco de alto a baixo a separar o mau do bom. Já agora, como é que te veio parar ao colo?

Para teres  “certeza” é preciso ires à Origem. Se lá chegares a única certeza que encontrarás é que não há uma certeza mas tantas quantas as almas e quantos os caminhos e quanto as dores e quantos o melhor que se conseguiu, a coabitar nesta bola forrada com uma noite e um dia a revezar-se, no mesmo beijo fugaz de olá e adeus.
Percebes o que te quero dizer? A certeza com dois lados ainda é certeza?

Eu enfrento o medo. Claro. Já me basta ser teimosa. Não quero ser maricas. Enfrento o medo se for de falhar. Se for de perder. Se for de não gostarem de mim. De decepcionar ou de dar um beliscão em expectativas estrangeiras. Enfrento todos os medos que estrangularem a liberdade de me experimentar ser todas as coisas que precise de ser para chegar à origem e constatar que estive sempre certa…

Entretanto, sem certezas, vou escolhendo, de entre todas as escolhas, a que se aproximar mais daquela que eu gostava de ser se, em vez de humana e ainda por cima mulher, fosse perfeita. Angelical..
Como seria eu de asas em vez de génio? E tento sê-lo, um verdadeiro anjo.
Tinha de acabar com graça… ;)

IdoMind
about not being paralyzed by doubt

março 26, 2012

Mercúriozinho

Ele de novo. Já o tinha visto ali algumas vezes. Entra com as mãozitas nos bolsos e nunca se senta no mesmo lugar apesar dos bancos estarem praticamente todos vazios. Umas vezes fica ao fundo, outras nas filas da frente. Raramente no meio. Fica sentado a olhar como se estivesse numa sala de aulas, atento, sereno, com as pernas a balouçar, ouvindo o professor a ensinar uma maravilha qualquer que ele nunca havia reparado ou pensado ter uma explicação bem mais plausível que as fantásticas que lhe ocorriam para justificar certos fenómenos.
Lembro-me que houve apenas uma ocasião em que saí antes dele. Costuma ficar cerca de vinte e trinta minutos, dá um pulo do banco e vai embora com o mesmo ar imparcial e indescortinável com que chega. Para alguém tão baixinho tem uma presença notável. Passa por mim à saída e tem-me lançado um rascunho de sorriso. É desconcertante. É quase hilariante.
Numa destas quartas-feiras, autorizei-me o impulso de me dirigir a ele e sentei-me ao seu lado. Agarrou-me com os olhos gigantes, negros, pestanudos e mostrou-me os livros guardados à volta da íris. Acho que ele também viu os meus. Mas na altura não pensei nisso. Nem em nada. Deixei-o ver-me. Se o tivesse impedido com os subterfúgios habituais, quem perderia era eu porque aquela criança tinha coisas para me dizer. Um recado para me entregar. Soube-o no instante em que me sentei com ele.
- Ando a escolher um Deus. Ainda não me decidi com qual dividir os meus segredos e os meus sonhos. Preciso de um em que possa confiar e que não me falhe quando precisar mesmo da ajuda dele. A minha avó diz que antes de pararmos num sítio temos de correr o mundo inteiro porque só assim é que sabemos que não há sítio melhor em lado nenhum para nós. Com Deus é igual. Ando a ver qual é o melhor para mim. Cada Deus tem seis meses para me dizer o que tem para me oferecer. No fim vou escolher. Preciso de um Deus porque quando for grande vou ser viajante e assim não vou nem sozinho, nem sem protecção.

Das milhares de razões que me poderiam ter ocorrido para aquele menino vir à capela meio esquecida numa das poucas ruas da aldeia também ela calcada por uma contemporaneidade pouco dada à nostalgia de compassos antigos, eis a que jamais constaria da lista.

- Antes de ter escolhido os meus dois amigos tive muitos. Fui à procura dos diferentes de mim porque ser como eu sou já sei como é. Só consegui fazer amizade com uma menina. Elas são mais difíceis. Mas a minha avó disse-me para não me preocupar muito porque as meninas são diferentes dos meninos e diferentes umas das outras. Que eu teria de dar três voltas ao mundo para encontrar a melhor menina para mim. Mas que iria valer a pena. Não percebi bem mas a minha avó fala apenas quando está certa do que diz. Tem acertado comigo e por isso acredito, por agora, nas palavras dela. Ela podia ser o meu Deus. Perguntei-lhe se queria. Se aceitava ser o meu Deus. Riu-se tanto que até uns passarinhos vieram à janela ver o que passava. Depois ficou séria e respondeu-me que somos emprestados pelas nuvens aos Homens para fazer da terra outro céu. Que o nosso Pai é feito de estrelas e a nossa Mãe da luz que as faz brilhar. Para a gente não se esquecer onde pertencemos, os nossos Pais dos céus deram-nos as lágrimas. Quando a gente chora é a nossa parte de nuvem a chover uma coisa importante. Não sabia? Devemos ficar quietos quando choramos para ouvir o que diz a chuva que vem dentro de nós. Da nossa parte de nuvem.

A minha avó também tem nuvens que chovem dentro dela. É por isso que não pode ser o meu Deus.

Venho aqui há quatro meses. O tempo deste Deus está quase a acabar. Ainda não me disse nada. Fico aqui calado à espera que fale comigo. Nem sempre vou mesmo até aos seis meses, ao fim de dois ou três percebo logo que nunca vou perceber alguns deuses e vou-me embora. Este, deste sítio, ainda não falou apesar de eu me esforçar e mudar até de lugar porque pode querer falar baixinho só para mim ou sem ser com a voz. Deus usa tudo o que a dá vida para falar em seu nome. Todos os deuses fazem isto, de acordo com a minha avó.
Mas até agora nada. Até hoje. 

Não é só a senhora que olha para mim e pensa. Eu também já olhei para si e fiquei a pensar.  
Já me distraí consigo e espero que Deus não me tenha falado dessas vezes em que começava a imaginar porque é que senhora estaria aqui. As outras pessoas que encontro cá são todas como a minha Flor, de cabeça esbranquiçada e muitos traços na cara, que ela diz que são mapas. Mapas das viagens que mais marcaram. Se quisermos saber com foi é só olhar bem o desenho da marca. Ela conta. Se foi a direito, se teve curvas, se acabou de repente. Onde acabou, se perto dos olhos, dos lábios… A minha Flor anda a escrever a história das suas linhas e disse-me que um dia vou lê-las mas que primeiro, eu mesmo tenho de ganhar alguns traços, os que ensinam a ler os mapas da face.
Para além das pessoas velhas com medo de morrer, só vem cá outra que não é muito velha mas que não anda. Também a viu. É aquela da cadeira de rodas que fica com a cabeça para baixo até ir embora. Faz-me impressão. Como é que ela sabe se Deus está a olhar para ela se ela está a olhar para a barriga? Um dia pergunto-lhe.
Reparei em si porque trazia uma rosa enorme na camisa e fez-me pensar na minha avó, a Flor. Também gosto daqueles sapatos que trouxe com um laço verde, os seus pés pareciam duas prendas. São muito giros. A senhora não tem marcas na cara. É nova. E é bem bonita. Consegue andar. Porque é que precisa de ouvir Deus? Este Deus?
No outro dia, à mesa com a minha avó, contei-lhe sobre si. Quer saber o que ela disse?
A tentar com toda a força travar a minha parte de nuvem a querer chover, respondi-lhe que sim.
- A Flor disse que a senhora sabia qual era o melhor sítio do mundo para si e que estava a pedir desculpa a Deus por não ir. Ou coragem para o fazer.

Virei-me para a frente e chovi... 

IdoMind
About God´s funny ways

março 20, 2012

"A" Primavera

Pensavas que era só conversa? Não era. Olha à tua volta e vê. Está a acontecer. Estamos a mudar. Mas ainda não mudámos. Desconfio que não vamos sequer a meio. Está a custar muito, bem sei. Também a sinto, a infindável maré vazia dentro de nós a levar-nos tudo. Como é que se agarram as ondas? Como é que se pára o mar? Consegues…?
No outro dia, num daqueles em que me apetece escavar o fundo do poço de joelhos, acabei por desenterrar a responsável pelos crimes que nos fazem penar. É a liberdade.
A Humanidade experimenta hoje uma liberdade histórica. Entre nós e a vida que sonhamos está apenas a vontade de a criar. De começar, pelo menos. Nós estamos nas nossas mãos. Inteiramente por nossa conta. 


Os nossos dedos viram-se é para nós agora que a sorte e o azar se reformaram. Foram com eles a indiferença, a maldade, o poder dos outros. O conhecimento expulsou toda a gente e fez-nos ficar sozinhos com os efeitos das nossas decisões. Do que fizemos e deixámos por fazer, sabemos lá porquê. Do que sabemos porquê mas que ainda não foi desta que conseguimos fazer de outro modo.  O nosso inimigo, os insucessos, toda a nossa infelicidade somos nós com medo. E com culpa. Muita culpa.Se nos encostarmos por um momento, nos aliviarmos por um momento, nos perdoarmos por uns breves instantes por termos carne que pede carne, ossos que não aguentam tudo e corações que partem e param, talvez arrisquemos olhar no espelho e ver que estamos a envelhecer sem nos termos estreado…


A vida está a acontecer-nos  a todo o momento, em todos os instantes que se despedem assim que chegam. Do tempo só ficam as rugas na face se não cuidarmos de deixar outras marcas na alma. É preciso cuidado a viver. Sobretudo connosco. É preciso cuidarmos de nós, para, se quisermos, estarmos em condições de cuidar de outros. 

Está à mostra o que resulta de nos forçarmos a aceitar o que as nossas entranhas repudiam, aos berros. O drama está na consciência desta nossa cobardia de ser egoísta o bastante para sairmos à nossa procura. Falta-nos exercer o direito à felicidade e a faculdade de errar nas tentativas. A  margem de engano inibe-nos de experimentar. Pouco mudámos e ainda nos julgamos o centro de muitos sistemas solares. Que tudo depende de nós. Comida na mesa, tecto na cabeça, sorrisos na cara, um futuro melhor… Troca por troca, a tua vida como mereces vivê-la, por outras vidas como achas que é melhor serem vividas. No entanto, até esta data, conheço apenas um caso de alguém que morreu por amor. De saudades…A vida continua mesmo quando nós já não estamos. As soluções aparecem. Buscam-se. Descobrem-se capacidades que estavam toldadas pelas tuas. Tantos começam a viver quando outros decidem morrer. Não é crueldade. É assim. A vida encontra mesmo uma maneira de prosseguir. Independentemente de ti.

Estas e outras revelações encontram-se hoje em qualquer prateleira de supermercado ou expositor giratório de uma papelaria. O acaso afinal não existe e está previsto. Ou é previsível. Deus olha por nós mas não se importa connosco. O céu não é o limite. E na terra os limites não estão do lado de fora. Até as fronteiras se mexem para que o Homem caminhe. Livre. Por onde entender. Por onde decidir ir. Ficar.

Hoje não se pagam formas de pensar com a própria cabeça. Não é preciso esconder um amor, porque todos os amores deixaram de ser proibidos. Hoje podemos nascer pobres e governar um país. Inventar uma fórmula para as laranjas serem todas doces, as batatas-fritas boas para a saúde e o chocolate adelgaçante. Hoje não há mulheres nem homens, há pessoas. A poder fazer tudo igual. O bem e o mal reconheceram-se irmãos e hoje existem apenas escolhas…


Hoje posso estar a jantar contigo. Ou a tomar o pequeno-almoço amanhã. Posso largar a toga e vestir um avental. Posso ir atrás da minha visão no Brasil. Posso permanecer onde estou e dar a volta. O que não posso é matar-me nas suaves doses diárias de resignação.

Hoje é bom para o que quisermos. Ontem também foi e amanhã será de novo. Qualquer dia será bom para Te escolheres. Para começares, pelo menos. Mas hoje é Primavera!
Há um Equinócio enamorado pela luz que faz os dias maiores só para a ter mais um bocadinho. Hoje é dia de sair ao jardim e plantar as sementes da tal vida sonhada. O solo está fértil e o sol carinhoso. Hoje é dia de ir às estrelas e lá deixar desejos. Projectos. Ideias para ser feliz. Alcançar a tal paz . Descobrir o tal Amor. Reconhece-lo...
Hoje o Universo tem os portões abertos e a esperança está a ser oferecida. É só levá-la. Mantê-la perto de nós para quando a noite nos puxar para si.

Na minha estrela deixo desejos para ti também. Queres saber quais são? 
Anda até cá. Sobe. Vem deixar os teus e podemos ir falando no regresso de como vamos marcar a alma. Cortar a fita vermelha e dar o primeiro passo num novo caminho ou outro passo noutro e novo caminhar.

IdoMind
                                                                            about Spring, flowers, butterflies, hope and lots of love

março 14, 2012

Intenções, desatenções e distracções

Tenho um vizinho a enviar-me flores. Papeis na secretária, código aberto, fotocópias de documentos aqui e ali, quando o telemóvel avisa a chegada de uma mensagem. Malmequeres brancos num campo verde. Geribérias cor-de-rosa num canteiro. Uma flor linda, vermelhinha, à beira da estrada. Por onde passa, assumo eu, tira uma foto e envia-me.

É estranho atendendo que não conheço ninguém no sítio onde moro a não ser a rapariga a quem pago o condomínio. Que não sabe nada de mim. Entro e saio pela garagem. Não encontro vivalma e tenho quem me represente nas maravilhosas reuniões que isto de viver em comunidade impõe para se estabelecer algumas regras de convivência pacífica. E asseada.
Então como é que o vizinho tem o meu número de telemóvel, não é? Porque lho dei. Um dia cheguei e tinha o meu lugar na garagem ocupado. Deixei um bilhete. No dia seguinte o meu lugar novamente ocupado. Deixei outro bilhete e o meu carro no lugar de garagem desse vizinho. “ Já havia pedido que não estacionasse o SEU carro no MEU lugar. Não me deixa alternativa que não seja ocupar a sua garagem. Deixo o meu contacto…”
À noite ligou diluindo-se em desculpas e com a promessa que não voltaria a acontecer. Não voltou a acontecer. Mas agora é isto, recebo flores electrónicas. É claro que não deixa de ser curioso que um estranho envie flores para uma vizinha cujo nome não sabe e muito menos que tem um Jardim…

Evito confrontos. Mas adoro paz. Sobretudo na minha vida pessoal. Estou sozinha há muitos anos e como não tenho a quem dizer “ olha, o vizinho do bloco ao lado anda a querer colo” que remédio senão calçar-me e ir resolver o que quer que seja que me incomode. Foi o que fiz.
É mais fácil ser antipática com quem é parvinho. Que não é o caso. As mensagens que me enviou foram todas elas marcadas por educação, gentileza e até sensibilidade. Ia eu a caminho do bloco C e a pensar “IdoMind não sejas tractor e aplica a diplomacia que geres tão bem” Ainda me ocorreu tornar a utilizar a mentira sobre a minha orientação sexual. Resultou antes. Mas este mora ali, mesmo ao pé de mim, e ainda poderia surtir um efeito diferente do pretendido, pelo que me decidi pela honestidade.
De regresso a casa só me ocorria que de facto está tudo no lugar certo. Se eu nascesse homem ainda seria virgem…É que não tenho o que é preciso para levar a alguém a sair de si mesmo, de um certo conforto emocional, ir ao encontro de outra pessoa e dizer-lhe “ gosto de ti” ou “gostava de estar contigo” ou “ agradas-me”.
Será que é uma reacção meramente instintiva para eles? Reminiscência dos tempos de caçadores? Talvez nem equacionem e seja tão natural como beber água quando se tem sede. Ou não? Também lhes custará a incerteza da resposta? O coração deles também acelera? Também escrevem e apagam e reescrevem e voltam a apagar, pousam o telemóvel, vão à casa de banho, pegam de novo no telemóvel e acabam por enviar uma mensagem que diz exactamente o contrário do que se queria dizer? Também têm medo da rejeição…?
É coragem ou falta de presença de espírito que os move?
Independentemente de nos quererem levar ao altar ou só para a cama, precisam de dar esse passo até nós. 

É uma tendência moribunda, mas ainda se espera que sejam eles a dar esse primeiro passo. A maioria dá. Outros dão muitos passos nas mais diversas direcções. E ainda há os que correm. E se cansam rápido.
Gosto dos que passeiam…

Não foi há muito tempo que abandonámos a caverna. Temos menos pêlos e mais peças de roupa mas nem por isso escondemos as nossas origens primitivas. Quem sair à noite pode verificá-lo…
Porém, acredito que somos capazes de dar um pulo maior. Largar a pele animal que nos oculta a transparência. E reluzir. Ficarmos tão claros que seja possível verem através de nós. É deste modo que vamos poder pousar o bastão. Não vai mais ser necessário tê-lo à mão para nos defendermos ou atacarmos.
Cada um sabe de si e o que quer. É uma questão de o assumir. Não estou a julgar.
O mundo é suficientemente grande para todos nós na nossa irónica diversidade.
Mas como ainda não estamos transparentes, da minha parte, agradeço clareza quanto ao que querem de mim. E que sejam poucos os passos mas firmes.

Agradeço que me poupem o constrangimento de ter de me calçar e tocar uma campainha para dar os parabéns pela valentia de ir atrás do que se quer, pedindo sobriedade para saber quando parar.
Agradeço que na minha direcção venha quem se dirige para o Sublime. Que tenha como destino tornar-se melhor e por mapa a verdade íntegra que o conduzirá lá.
Dispenso quem anda muito sem sair do lugar.
Agradeço que não me queira tirar do meu…

IdoMind
About all this whys in the hows

março 13, 2012

Get up Carmen

Só posso dizer que lamento. Tento encontrar outras palavras, mais ajardinadas, que te levem um cheirinho a dias melhores e a pessoas que mudam. Mas não estou a conseguir. Este meu realismo está muito realista e da minha experiência floriu o conhecimento, entretanto feito tronco da árvore que vou podando, sobre cuidar da vida com, por e em Amor.
Pode soar-te idiota. Vazio até. Só mais uma frase bonita para um artigo inspirado, poético e inútil. Faço a minha poesia com os olhos no mundo e o coração em Deus. Que vejo em toda a parte. Perfeito. Benevolente. Amigo. Um bocado parvo às vezes. Parece que não sabe o limite de certas brincadeiras. Indiferente, a que já não esteja a ser divertido e que por nós seria hora de voltar para casa, insiste em brincar connosco. Não Lhe acho graça nenhuma quando se põe aos empurrões. A força que faço para me equilibrar. Para me aguentar e não cair. Mas de tudo o que inventa para me entreter, o que menos gosto é quando se esconde e me obriga a ir à procura Dele. Fico assustada, sozinha no meio da rua, sem saber se estou perto, se estou longe, onde estou. Não sei se por piedade ou enfado, acaba sempre por Se mostrar para me mostrar que quem se escondeu fui eu. Vou-me encontrando. E subindo à minha árvore para fazer poesia.

Imagina-me assim, sentada num galho de uma árvore que envelhece a brincar. Lê-me assim, a entregar-te os meus olhos para que me vejas a tentar ser útil. Ainda que poética. É com Amor. Por Amor. Em Amor. Por mim. Por ti. Pela Vida.
Só posso dizer que lamento se não o consegues ver. Se não estás a ser capaz de o escolher.

Lamento-te sozinho numa casa com gente. Lamento o teu calor arrefecido na cama que congelou. Os braços dormentes e cruzados na almofada, sôfregos por se esticaram nos afectos desperdiçados noite após noite. Encolhendo-se, destroçados. Adormece-se no embalo de uma ideia só para não aleijar mais. Lamento o silêncio a usurpar o lugar das gargalhadas. Das confidências que unem. Das palavras certas que nos fazem brilhar. Lamento a distância intransponível de uma cozinha para uma sala. Lamento o sofá saudoso de pernas que se misturam, de livros que se lêem com cabeça num colo e do “ é tão estar aqui” dito em tom de segredo peito com peito. Lamento tanto que não te vejam…E não te calem a cantoria matinal com um beijo. Te agradeçam com mais beijos, muitos e sinceros, o jantar que preparas à tua maneira. Lamento que morras todos os  dias... da mesma morte.

Eu lamento. A minha parte. Aquela que sabe que estás aí. Por Amor rezo para que tu não lamentes. Que estejas em paz com a felicidade agendada para daqui a um tempo. Que vás a tempo. E estejas em condições de a conhecer quando a vires. Que ainda a queiras viver.
Ontem puseste-me a lamentar. Não me lembro da última vez que isso aconteceu. Quando me aceitei filha do meu Pai, deixei de lamentar para passar a agradecer. E a agir. Os milagres não vêm de cima. Vêm de dentro. Foi por o saber que há pouco tempo fiz um. Fiquei.

Mas desde ontem que lamento
Lamento por todos que amam amar os que não sabem como fazê-lo. Os que não querem e os que nunca amaram nada além de si mesmos. Os que se odeiam tanto que odeiam tudo o resto. Lamento que amor e sacrifício sejam utilizados na mesma frase. Lamento a escala de bens maiores e menores, usada para medir o valor de uma dor. De uma mágoa. De uma humilhação. De várias e cada vez mais requintadas. Lamento por todas as almas que definham  por aquilo que se confunde com amor…
Das maiores violência que conheço, desprezar um gesto de amor é a mais violenta. É preciso dignidade para amar. Mas é preciso ser ainda mais digno para saber tratar do Amor que nos dão.

Não ia acabar assim só que entretanto deu-te para ser poeta. Obrigado por não calares as vozes que se têm servido de ti para falar comigo. Também tu és mais filho do teu Pai do que estás disposto a aceitar.
Ainda achas indecente pedir que espere? Que me venhas buscar tudo o que tenho? E me entregues tudo o que tens? Temos uma dança para dançar. Muitas manhãs para acordar devagarinho com as mãos enlaçadas e risos a encher o quarto com as nossas músicas a competir. Temos uma história para acabar.

Bem vindo ao meu jardim. Não cheguei a sair porque não queria estar fora quando chegasses. Ouvi-me e esperei.Oiço-me de novo. E espero outra vez.
A próxima aventura é a dois. Se essa for a tua escolha.
Se for outra, que eu não a lamente porque te sei feliz e dono do teu tesouro.
Tudo é possível.Os milagres não vêm de cima. Vêm de dentro.

IdoMind
about sorrow 

março 07, 2012

Numa casa perto de si

Vai longe o tempo das mães coitadinhas que se despediam do mundo para serem o mundo dos seus filhos. Em regime de exclusividade. Era impensável perder as crias de vista por um segundo, quanto mais por uma noite. Por um fim-de-semana. Perdê-las para os pais, nem pensar!
As Regulações do Exercício do Poder Paternal acabavam, quase invariavelmente, da mesma forma na Conferência de Pais, com um acordo mais ou menos dentro deste género:
1. Os menores ficam confiados  à guarda e cuidados da mãe, que exercerá o poder paternal.
2. O pai poderá estar com os menores aos fins de semana, alternados.

Em virtude de casos mais problemáticos e para evitar chamadas para a Polícia de Segurança Pública, previa-se logo onde e a que horas de que dias:
3.  Para tanto o pai irá buscar os menores a casa da mãe pelas 20 horas de sexta-feira e entregá-los-á pelas 19 horas de domingo no mesmo lugar.
Ou na versão "não te quero ver nem de raspão": 
3. O pai irá buscar os menores à escola ( a casa da avó, da vizinha, à piscina) na sexta-feira, onde os entregará na segunda-feira de manhã.
Continuam a haver casos problemáticos, pelo que continua a prever-se como realizar a entrega e recolha das encomendas.

Depois dava-se um rebuçado ao progenitor-pai. Mas com papel:
4. O pai poderá estar com os menores sempre que quiser desde que avise com antecedência a mãe e não perturbe as horas de estudo e de descanso dos menores.

Li umas coisas sobre um Kryon. Não. Não é nenhum jurista famoso na área de direito da família. Uma amiga falou-me deste Kryon e das mudanças planetárias que já estavam em curso e da alteração da energia da Terra etc etc etc etc…
A ficção científica é o meu ponto fraco e lá fui eu, curiosa e expectante,  à procura do que seria o Kryon. O que li na altura sobre o assunto começava desta forma: “Saudações, Eu sou Kryon do serviço magnético”.
Até me arrepiei! E fiquei a ponderar se arrumava o livro com uma cruz por cima ou se me arriscava a  umas  gargalhadas. Adoro rir e tento não ter preconceitos de nenhuma espécie. Decidi por isso ler. Até ao fim. 
Calma. Não me perdi. Não vou falar de um par de menores que tenham sido levados por uma nave, nem de uma mãe que tenha ingressado numa seita maluca qualquer.
Acredito que está tudo ligado e de uma forma que só a nossa ignorância intitula de bizarra, mas que ainda espero ver explicada da maneira que os ignorantes gostam: cientificamente.
Li então, há cerca de 11 anos atrás, sobre as alterações na rede magnética da Terra operada por esta entidade (não vão embora, fui ao médico em Dezembro e está tudo bem comigo). 
Foi também por essa altura que comecei a ver as relações humanas mudarem. Todo o tipo de relações. No meu trabalho foi notório que estávamos a rumar noutra direcção. Não importa se melhor, se pior. Estávamos a mudar de atitudes, de formas de estar, de personalidade até. Estávamos a despedir-nos do que já não funcionava. Só muito depois o vi com clareza.
O direito acabou por acompanhar a tendência. Na área específica do poder paternal, os progenitores homens foram exigindo mais tempo com os filhos. Foi sendo frequente recusarem-se a aceitar ver as crianças apenas de quinze em quinze dias e serem afastados do crescimento dos menores só porque se afastaram da infelicidade de um casamento. Deixaram de aliviar a culpa com o pagamento de uma pensão de alimento e metade das despesas escolares e médicas. Quando pagavam.  Queriam estar, queriam participar, queriam ser Pais mesmo que já não fossem maridos…

Foram tempos gloriosos. Fazia pelo menos uns quatro divórcios por semana.
Entretanto os homens e as mulheres foram percebendo que saía mais barato juntar apenas as escovas de dentes. E esta opção de vida que era vista com algum desmérito, foi-se tornando uma prática social aceite. O que antes era só para os audazes que não precisavam de um papel para se unirem a outro ser, nem da aprovação de ninguém para viverem como entendiam ser melhor, tornou-se uma solução conveniente para os forretas, para os medrosos e os divorciados sem ter para onde ir.  
No entanto continuou-se a fazer filhos, a tê-los e, sem surpresas, no final do romance, a dividi-los.

Hoje em dia, o regime legal obriga mãe e pai a entenderem-se. As responsabilidades parentais (já que foi para mudar, mudou-se também o nome) são agora exercidas por ambos os pais, em conjunto, sendo que as questões principais da vida dos menores têm de ser decididas por acordo. Os menores passaram também a ter duas casas em vez de uma. Tornou-se comum as crianças estarem uma semana em casa de um dos pais e outra semana na casa do outro.
Francamente, não posso com segurança opinar a favor ou contra esta moda. Aguardo que o tempo nos mostre o resultado das nossas escolhas. Eu fui criada por um pai e uma mãe que celebraram 37 anos de casamento no mês passado e aqui estou eu sob um nome esquisito, num jardim virtual a falar com estranhos como se estivessem aqui. E a ouvir-me…
Devem estar a perguntar-se se eu vou parar a alguma conclusão com esta conversa toda. Espero que sim. Mas não prometo.

Tenho em mãos a regulação de umas responsabilidades parentais que deram em ofensas à integridade física no fim-de-semana passado. O pai decidiu ir buscar os filhos, onde lhe apeteceu, às horas que lhe deu jeito, fazendo-se acompanhar da pessoa por quem deixou a mãe, há cerca de 4 meses atrás. Não correu bem.

Mudámos tanto, ficámos tão modernos, tão tolerantes, tão segue o teu coração mesmo que se esteja a seguir um órgão um bocadinho mais abaixo ou outro muito mais acima, e no entanto ainda não conseguimos realmente mudar o que importa: a nossa conduta.

Observo com a imparcialidade que consigo esta situação, igual a tantas, e concluo que podemos mudar o que entendermos, gastar todos os nossos recursos emocionais e outros a convencermo-nos que assim é que está bem, mas a nossa Essência, essa, não conseguimos enganá-la. Nem calá-la para sempre.
Nós somos essencialmente Amor. O que ferir a nossa essência vai gerar, essencialmente, rebeldia.
Iremos sempre reagir a desamor com desamor.Mesmo que passivo. Mesmo que adormecido a Xanax, em muitas camas ou no lento amargar da nossa alegria de viver.

É por isso que não conseguimos ser coerentes e viver de acordo com as regras que estamos a criar e que dizemos que são as melhores para nós.
Não se pode ser moderno e deixar depois que um beliscão no ego leve a nossa mão, de modo ruidoso, à cara da outra. Não se pode ser tolerante e admitir uma “normalidade”, na minha opinião, completamente anormal, e depois extorquir a qualquer custo um “ eu tenho razão” orgulhoso, egoísta, idiota. Não podemos, definitivamente, estar seguir o coração amassando,  pisando e mal tratando outros.
Muito menos corações mais pequenos - o dos míudos. O dos filhos que se vêm de malas sempre prontas atrás da porta das duas casas, que juntas não fazem um Lar.
Idomind
About us losing our way

março 06, 2012

"Porque eu só estou bem aonde eu não estou.Porque eu só quero ir aonde eu não vou"

Daqui, deste lado, parou-se. Tenta-se, até agora sem sucesso, compilar muitas páginas de razões para domar o que se soltou e atar bem atado para que fique sossegado. Mudo. A um canto sem estorvar. Nem fazer tropeçar. Pode ser que ignorando se esqueça que está ali. Até deixar mesmo estar. É assim que se matam os sonhos, sobretudo os que estorvam – num canto, à fome. Também é assim morrem as fadas, os anjos, a bondade…o amor.


Por cada pensamento que escapa e vai a voar desenfreado pousar em ti, largo o caçador abrigado na minha sombra para que o alcance antes que te consiga dizer que daqui, deste lado, se adormece numa dança. Em espiral. Etérea. Nossa. Que se fecham os olhos e o abraço acontece. Desculpa se te acordei alguma vez com o barulho da saudade. Do desejo. Calha de escaparem e nem sempre vou a tempo de lhes amputar as asas. Talvez os tenhas ouvido. De repente, a meio do teu dia e princípio da minha noite, enquanto confiro o inventário dos meus actos. Das minhas palavras. Das minhas muitas, ajuizadas, omissões. Das contas que presto com as mãos juntas e dos pedidos que torno verbo com o coração num altar. E trago-te ao meu quarto. Será que já me ouviste daqui, deste lado, a perguntar-te se queres pedir comigo? Por nós. Que os nossos caminhos se beijem se as nossas almas se apaixonarem. Outra vez. Ou de novo. Vejo-nos. Estás ali ao meu lado e tenho a cabeça no teu ombro. Sinto-te…
Ficamos assim, sem dizer nada, a dizer tudo.

O quando e o como não me importam. Tenho andado a poupar tempo para o gastar à tua espera. Tenho muito. Preferia passa-lo contigo que longe de ti, mas sei que não se apressa, nem se atrasa o destino. Tem um horário próprio e que é cumprido. O destino chega mesmo sempre a horas. Ainda que pareça que se distraiu ou se perdeu para aí noutra pessoa qualquer. Confio nele. Levou-me onde tive de ir. Levou-me o que teve de partir. A horas. Só na minha Hora o percebi. E pedi-lhe perdão pelo mal que pensei dele e dos nomes feios que lhe chamei enquanto essa hora não chegou. É mais velho que Eu e tem-me dado umas lições. Aceito por isso que sabe o que faz. Quem traz…
A horas te trouxe. A ti. Poderia ter trazido outro. Há tantos a pedir-lhe boleia. Foi a ti que abriu a porta e mostrou o lugar. E agora? Vais entrar? Essa é a tua pergunta. A única.

A minha é esta: E agora que sei que estás aí?

Mato o sonho à fome ou estendo o solo à semente? É fácil. Sou jardineira. Escolho a vida que cresce. Que dá flores com cheirinho ou fruta que apetece. Escolho a vida que amadurece…E fica com outro sabor.
Eu cuido. Quando e como? Agora. Neste momento em que estou sentada a mostrar-te que estou aqui. Larguei quem me acho para te dizer quem sou. O que te fiz, não sei. A mim fizeste-me valente. Não voltei a mesma da tua Viagem. Descobriste-me trilhos apagados e estou pronta a conhece-los contigo. É a tua mão que quero segurar. É pela tua mão que quero ir.
E não é em sonhos...
Agora que sei que estás aí…
IdoMind
About pragmatism

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