outubro 26, 2010

Pesos

Estou aqui há um bom bocado. Já escrevi cinco ou seis linhas por cinco ou seis vezes. Apaguei tudo. As palavras não chegam. Já senti isto antes. Querer dizer o que descobri não ter linguagem. É uma coisa qualquer que se passa dentro de nós sem que a consigamos explicar. Sentimos só. Está lá, a trabalhar no silêncio. A roer as estruturas da pessoa que fomos aprendendo a chamar eu.


Vem devagar, disfarçada de insatisfação. Rouba-nos aos poucos todos os esconderijos onde, refugiados da Voz que chama por nós, vamos fingindo uma paz que há muito nos declarou guerra. Vamos-nos convencendo que é por bondade, piedade e até amor que nos aprisionamos a decisões sem sentido. Sem sabor. Desprovidas de outro sentimento senão mágoa pelo sacrifico que ninguém parece reconhecer  e rasgos de raiva nos dias em que o peso nas asas dói mais um bocadinho.


E sabemos que aquele não é já o nosso lugar. Todos sabemos quando os lugares deixam de ser nossos. Ou para nós. Basta perceber que estamos piores… em tantas coisas. A impaciência pronta a disparar a mais uma pergunta estúpida. Quando estamos piores todas as perguntas nos parecem estúpidas. O cansaço sufoca a tolerância. Também ficamos mais cansados mais depressa.  De tudo. O querer desligar o telefone que nem sequer tínhamos vontade de atender. Responder à pressa e por favor porque na verdade não há nada a dizer e muito pouco que se queira ouvir. Estamos piores quando sabemos de olhos fechados as respostas que devem ser dadas. E o diálogo se converte na soma pobre de dois monólogos.
Nos lugares a que já não pertencemos passamos a agir como visitas. Estamos ali mas pertencemos lá.

Somos pássaros, a ver da gaiola, o sol a por-se mais uma vez. A noite vem e as grades apertam. Resta-nos imaginar… Que voamos. Que provamos. Que cantamos. Que vamos. Não importa onde. O destino é um detalhe. O que conta é cruzar os céus e descobrir uma migalha escondida em cada nuvem. E imaginamo-nos a planar no imenso azul, perdidos num tempo e num espaço da outra vida que não vivemos. Estamos piores quando imaginamos muito e voamos pouco.
Quando a nossa liberdade é hipotecada pela segurança de ser igual a todos os outros.

E o medo de abrir a porta e partir é baptizado de responsabilidade. Afinal construíram-se coisas, criaram-se laços, assumiram-se compromissos. Dependências.
Que seria do mundo se quebrássemos os laços sempre que estes se tornam nós? Apertados e complexos. Que nos magoam os pulsos e estrangulam o coração. Pode ser que volte a ser como antes…Que as fendas que estalaram sejam reparáveis. Esqueciveis. Pode ser que volte a ser bonito. Inocente. Verdadeiro.
O dia passa e o sol, de novo, se põe. Pode ser que amanhã seja diferente.

IdoMind
about getting myself together real soon
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