dezembro 17, 2012

Depois da tempestade



Acontecia estar ainda a pousar o telefone e as saudades estarem já, do seu lado da linha, prontas para agredir. Respirava-se a presença constante daquela ausência que doía. Mas estava prestes a acabar. O espaço por ocupar iria morrer no abraço filmográfico entre bagagens e sorrisos molhados. O abraço ansiado, sabia-se lá há quanto tempo, feito para acontecer. Suspenso num tempo qualquer em que as coragens eram diferentes e não havia ainda o direito de escolher sempre a felicidade nem o que nos faz bem.

Ia fazer cinema. Já ouvia os aplausos. É que havia também uma contagem. Riscos num calendário enfeitado da cumplicidade cor-de-rosa e azul-bebé na declaração implícita de terem chegado. Ela tinha chegado.
Tão lindo o seu castelinho nas nuvens com almofadas brancas pelo chão, muitos livros nas estantes, a cozinha grande, permissiva e confidente. Quanta harmonia. Ali o amor não era ideia. Uma coisa que se diz e que se escreve em forma de poesia mas que morre nas mesmas linhas em que é falada sem no entanto chegar a ver-se a ser… a sério. No castelinho nas nuvens, o amor era um facto. Existia. Tinha corpo e tinha mais coisas. Levou-se toda e tola a morar lá. E era lá que ela e as suas malas diriam adeus. Na porta da frente, erguia-se o horizonte desenhado por Deus para si. Oferecido, porque sabia quem ela era e sabia que merecia. Fora assim aos seus olhos, a terra e o céu encontraram-se a meio do caminho para que ela pudesse receber o que era dela.
Nunca mais se lembrou da vida real. Dos medos reais. Nem da outra realidade na ponta da corda, amarrada ao chão numa pedra fixa.
Ela fora o doce segredo que na sombra dera de comer, às escondidas, ao sonho de voar.
Quando aterrou, fez-se assassina e aprendeu a matar. Silenciosamente. Cravou-lhe uma faca bem fundo, na mesma cozinha, onde ele continuava de copo na mão a distraí-la com o humor mordaz e as mãos indecentes que a faziam errar na medida do sal. Mas custava a matar o sonho. Todas as noites tinha ainda de o sufocar com a almofada que antes servia para lhe marcar o lugar no faz-de-conta que estava ali. E onde o via tranquilo a dormir ao seu lado, observa-o agora a perder a vida dentro de casa dela. Dentro se si.
De facto, quando olhamos o abismo, o abismo também olha para nós e ela não era a mesma. As nuvens desfizeram-se e o castelo deixou de ter onde se manter de pé. Aí veio disparada das alturas, às cambalhotas, de encontro à vida. Na queda perdera a bússola. Ou deixara-a cair intencionalmente. Não se lembrava. Pela primeira vez, perdera-se. Não porque não sabia onde estava, mas porque não sabia para onde ir. Como.
Como é que se extraem vidros do coração, sem que ele pare? Sem lhe causar aquele tipo de danos permanentes que causam paralisia. Teria de ser com cuidado. Era isso. Com cuidado. Com disciplina. Colar a cabeça ao pescoço de novo e dela retirar todos os vestígios de castelos com cozinhas grandes onde se fez amor e se cometeu homicídio.
Ainda havia muito por colher no atalho que a tinha levado para longe do permitido. Sabia-o porque metia a cara entre as mãos, cheia de vergonha, por ter querido baralhar-se tanto. Vergonha por ter mingado.Por um tempo tivera quinze anos, usara duas tranças e andara num campo de trigo dourado de mãos dadas a um sonho a falar de pertencer. Também houvera borboletas. Afinal qualquer ilusão só é capaz de iludir te houver borboletas…Tivera muitas, a fazer-lhe cócegas nos princípios, nas metas e na personalidade.
Que ano cheio de tudo. Perto do fim e das suas habituais avaliações, agarrou o Destino e perguntou-lhe com alguma dor “Ainda estás a meu favor?”
A resposta tardou. Gostava de pensar que não por abandono ou desinteresse de quem a estivesse a Ouvir, mas antes por falta de espaço na agenda cósmica do seu Guardião. Em tempos de tão grandes transformações em tantas vidas, há que esperar a vez do que eclode antes de nós, para e por nós. Também. Ela eclodiria depois, para e por si, para e por alguém. Era assim que era desde a primeira insatisfação de Deus.

Não podia deixar de rir de si mesma. Apesar de tudo, como uma chamazinha numa noite chuvosa e fria de Inverno, o resquício da infantilidade que lhe fazia tranças e a levava para campos de trigo dourado, recusava-se a desistir e a tornar-se adulto. Que assim fosse para que ela não se esquecesse de quem Era. Apesar de tudo.

"Os sonhos são cenouras" -concluiu. Os sonhos são cenouras penduradas à frente do nariz e que nos fazem andar, continuar, optar, enganar e fazer tudo outra vez. Os sonhos são cenouras que não se trincam, mantêm-nos a fome.E a criança que não quer crescer.
Há destas fomes, como a que sinto, que são como castelos nas nuvens – só nossos. Cuidado por isso com os sonhos, com certas fomes e todos os castelos.


IdoMind
About… 2013 

dezembro 03, 2012

Respirar



Achas que se pudesse, não parava? Parava. Descalçava os sapatos, atirava-os ao ar e corria a saltar-te para o colo. Depois fechava os olhos para te poder ver e autorizava-te a dar-me beijinhos na alma até que a última lágrima caísse e o último corte se fechasse. Pedia-te para ficares. Que esquecesses tudo o que julgas que sabes e que viesses comigo aprender de novo a encher a taça. Despia-me para que me visses sem mangas onde esconder truques, nem véus a abrandar a minha verdadeira vontade. Era assim, com o corpo à mostra, que te perguntaria se querias ir até ali, à beira de nós, tocar o precipício ou agarrar uma escada. Se eu pudesse, parava.

Tu e eu, intrepidamente Vivos, a pulsar no dorso do nosso destino. Já imaginaste? Desafiava-te a não ter medo de nada além da mentira em que te aninhas para desviares as tempestades. Os dois, a rodopiar, centrifugados num tornado de luz a espremer-nos do que nos apaga o brilho.Tu e eu num único raio, um só Sol. Já imaginaste?

Se eu pudesse parar, dava-te tudo.Tudo!Dava-me.Nunca mais precisava de usar palavras. Nem tu. Só lá fora, quando chamassem por nós para mostrar como tínhamos feito. E nós viríamos. Tu e eu, numa voz a falar sobre o que tem de ser e do tempo que não corre enquanto as pessoas não param. Para respirar. Para recuperar, se por acaso ou por fraqueza andaram a gastar-se para lá da medida que distingue a honra do martírio. Se eu pudesse, parava para te contar uma história... E talvez continuássemos outra a partir dali. Uma daquelas que não têm fim. Sem foram felizes para sempre porque nós fomos e somos felizes desde sempre. Desde o princípio de que nos desprendemos para descobrirmos um novo regresso. Os dois, a romper o céu, as estrelas, as tripas da Criação, o caminho todo até chegarmos e nos largarmos outra vez à procura um do outro. 

Se eu pudesse parar, gritava por ti.Gritava tanto!Muito alto, para que me ouvisses onde quer que estivesses e viesses depressa socorrer-me do vazio que vicia. Entravas em mim, devagarinho, para não magoar mais e suavizavas as saudades soprando-me nos lábios "cheguei meu amor..." Ajeitavas-te cá dentro com carinho até que eu deixasse de me lembrar que um dia tive frio.
Eu nunca gritei. Mas se pudesse parar, o meu grito teria o teu nome. Sarada da mudez podia mostrar-te que do avesso sou frágil. Apresentava-te aos fantasmas que me impedem de dormir como toda a gente dorme. Entregava-te o meu coração para que lhe sentisses o ritmo e a canção suave que entoa ao contar como ficou tão pesado.E porque continua a bater.
Já me fizeste querer parar para me emprestar a ti e abrir-te o que encontrasses trancado. Ir, sem pensar, onde me quisesses levar para vencer o que me assusta. E que parece que sabes o que é, mesmo que não saibas. Eu não sei.Tenho este andar solitário, infatigável, que repousa apenas quando todos desistiram de o seguir. Venho com um gosto por cavernas.

Se eu pudesse parar-me, parava. Travava-me de imediato de ser Eu para que nós fossemos possível. Mas eu não posso parar. Corro o risco de morrer e agora não posso. Nem parar, nem morrer. Nem matar...
Todos os beijinhos que me deres hoje vão chamar-me de egoísta. Eu parada e tu aos beijos. Já imaginaste? Eu, ao teu colo, descalça e parada a receber do que ando esquecida. Tu, a segurar-me com cuidado para chegarmos os dois inteiros a Casa. Equilibrados...Como esperas voar com duas cargas?

Se eu pudesse parar, aliviava-me.
Diluía-me em ti cheia de leveza e numa dança éramos uma estrada outra vez.
Já imaginaste? Conseguirmos. De vez...

IdoMind
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