janeiro 22, 2013

When the going gets tough, the tough get going




Sei que a terra é redonda porque corro meio mundo sozinha e encontro-te aqui de novo. Neste sítio entre o nada e o agora, vejo-te e pergunto se estiveste sempre aí…
Quando te perco de vista, por onde andas? Atrás, a guardar-me os passos que se arrastam quando me arrasam ou à frente, esperando-me com água e outra porta por abrir?
Desapareces por tanto tempo que dás espaço às montanhas de crescerem e ficarem tão grandes que só fazem sombra e me fazem medo. Sinto-me mais fraca hoje do que quando comecei e acreditava na bondade. Vou porque sei que é escusado tentar ficar quando a hora é de ir, mas já não parto a sorrir, despeço-me a rezar. Peço que as pernas não me falhem nem que mas cortem. Que não dê por aí com alguém que goste de rasteiras e de rir com quedas…
Antes de ter provado terra, todas as casas eram um lar. Pudera eu voltar a ver abrigos onde hoje pressinto, bem disfarçado, um inimigo. Tenho saudades da beleza tímida debaixo de aparentes egoísmos. Onde anda a humildade que conduz à reinvenção? Tenho saudades de nós a caminho para a escola, quando ainda não sabíamos tudo e tínhamos perguntas para nos fazer.
Sinto tanta falta de sentir esperança no foram felizes para sempre que afinal nem todos querem…
É que,
há quem ache que se pode andar sem verdade, 
há quem ache que até se deve. 
Há quem ache que não diz tudo. 
Há quem ache que não tem de fazer nada. Nem nada para fazer. 
Há quem fuja e leve a pista que alguém terá de procurar noutro lado. Noutro tempo. 
Há quem se desculpe, com o que for melhor, para não pedir licença e ir viver o seu sonho.
Há cegos que não querem ver…
Há poetas que não sabem sentir…
Há profetas que não se conseguem ouvir...
Há tantos sem nada para dar
e ainda poucos aprenderam a receber.

Sinto falta de anjos nos estranhos. E em todos os outros.
Onde estão as penas que nos dão asas?
Eu mesma ando tão esquecida de voar, que me apaixonei pela gaiola. Prendi-me do que te peço hoje para me libertares porque não me lembro como fazê-lo sem me magoar.
Ajuda-me a largar a parte que engana e fere. Aquela que me venda a ti na perda que eu não queria mas que precisava. 
Livra-me da tentação de ser vítima e gostar. 
Do vício feio de apontar para o outro sem antes me aceitar. Sequer reconhecer. 
Salva-me da arrogância do "não mereço" que não sei se veio salvar-me de mim a ser menor. Em desamor. Não sei nada.
Ajuda-me a lembrar-me do meu tamanho e do meu papel que é só um papel.

Leva-me a ti quando estiver difícil estar aqui, mas sem ser para me afastar do resto.
Onde tu também brincas e me pedes que seja Deus contigo.
Está na altura de te pedir desculpa outra vez. Também eu acho muita coisa e achei que me tinhas deixado. Finalmente desistido de mim. Ou que me tivesses feito a vontade e largado a mão para ver como me saía a atravessar a Estrada sem ti.
Mas já chega. Vem comigo. Fica ao meu lado.
Eu Confio-te o mapa.
Eu aceito que me conduzas, mesmo se para longe dos lugares que eu acho que tenho de ir. 
Eu permito que me avises que estou a perder-me, negando-me ou tirando-me o que eu acho que me traria felicidade.
Eu convido-te à minha Vida e arrisco chegar a um Destino muito diferente daquele que eu acho que é o meu.
Eu Entrego-te a mulher para que se cumpra a Alma. 
Onde, como e quando for, certa que hoje estou da certeza da minha avó:
" onde tens de ir jamais poderás fugir."

IdoMind

about acceptance, the real one, not the "I don´t care anymore,the hell with it" one

janeiro 18, 2013

Voltas?


Já sabiam tudo quando se conheceram. Talvez o problema tenha sido esse, sabiam demasiado. Estavam de tal forma preenchidos de sabedoria, que não havia por onde entrar ou se arrumar sequer uma única novidade. Nem dentro, nem entre eles.
Ele era mais velho e era homem. Sabia, portanto, tudo sobre mulheres. Que eram iguais. Que sentiam o mesmo e mais ou menos por volta das mesmas idades. Que tinham desejos parecidos e o mesmo filme implantado no cérebro, accionado automaticamente perante certas, e as mesmas, circunstâncias.
Assim, quando a conheceu, já julgava que a conhecia. Não seria por isso preciso perder muito tempo a ouvi-la. A Ela. Era mulher e o seu género era o seu cartão-de-visita. O resto eram pormenores com pouca influência na opção do modo de operar com os seus mecanimos. Tratava-se apenas de selecionar o programa e a velocidade.
Esta era intelectual. Rotulou-a assim. Reservada. O que constituía o principal desafio. Teria de arranjar forma de chegar ao painel de controlo antes de ser expulso e de impedida permanentemente a sua entrada. Com esta teria de ter arte...
Era a segunda vez que tinham estado juntos. Achou-lhe graça e achou-lhe força. Ali à mão mas inacessível. Uma espécie de praia privada. Ficou curioso e com vontade de um mergulho.
Sentou-se diante do computador e fez uma busca rápida pelas redes sociais. Uma análise oblíqua do perfil do seu objecto de estudo iria ajudar a traçar a melhor aproximação. Enganou-se porém e teve de fazer à maneira antiga: convidá-la para jantar. Gostou disso. Soube-lhe bem ir às escuras ter com uma mulher sem saber sequer como lhe chegar à boca.


- Um engate vintage – pensou e riu, enquanto dava os últimos retoques na aparência que, esperava, fosse do agrado da sua companhia.
Tempos mais tarde, na cama, confessou-lhe que antes de a conhecer ela já lhe tinha dado o que pensar. Constatou naquela noite que não tinha um estilo. O seu guarda-roupa era uma espécie de encontro ecuménico da indumentária. Não se tinha apercebido, até àquele momento em que estava a escolher o que vestir para o jantar, que não se vestia para si, apenas para os outros. Conforme a música, assim a dança… Preocupava-o mais a impressão que queria causar, do que o conforto de ser ele mesmo. Pela primeira vez sentiu-se uma farsa. E muito feminino também, emaranhado em dilemas sobre o que vestir.
Telefonou ao irmão e pediu-lhe roupa emprestada. Disse-lhe exactamente o que queria. Adorava vê-lo  com aquelas calças de corte irregular e a t-shirt com mau feitio a perguntar “ o que é que foi?” de nariz empinado. Só o casaco que usou nessa noite era sua propriedade, o resto da roupa foi-lhe entregue pelo irmão, à porta, sem perguntas e com uma expressão engraçada entre o curioso e o esperançado.
Ele contou. Ela ouviu. Não ouve riso. Não houve conversa. Antes ficaram quietos, olhando-se, sem conscientemente conseguirem, ou sequer tentarem, compreender a importância do que acabara de ser partilhado, mas sentindo-o intuitivamente muito importante para o que seguiu.
É verdade tudo o que dizem sobre alguns silêncios, falam mais do que tudo quanto possa ser dito.

Quando saíram do restaurante, ele soube que não queria que ela saísse da sua vida. Não para já pelo menos. Queria mais jantares às escuras ou à luz da lua que ela mordera, irradiando, desde essa dentada original, igual mistério. E distância. Ela tinha isso de estar sem ficar, o que o desorientava mas lhe mantinha a órbita alinhada em torno dela.  
Agora já conseguia dizer o que o tinha maravilhado. Perdido. Maravilhado outra vez. Transformado, para sempre. Ela tinha estilo. Sabia quem era sem nunca fechar a porta a ser outra coisa qualquer. Permanentemente impermanente, como uma vez lhe disse com a tristeza poética de quem já tocara alguns limites sem contudo os desafiar.
Mas como é que se lida com a impermanência? Ele queria um apartamento cheio de raízes no centro da cidade. Ela vivia num barco.


Ali estava ele, em terra segura, no apartamento no centro da cidade. Ela, só Deus sabia.
Serviu-se de mais uísque e para a ter de volta naquela noite saudosa, no sofá onde adormeceram tantas vezes embrulhados a ouvir música, colocou “I am a bird now” e ficou a beber ambos.
"Deve ser isto a que o Rui se referia no outro dia quando falou de inteligência emocional"  pensou para si depois de lhe ocorrer que quis tanto controlar o tempo, que o Sol desapareceu. Exigiu  entrega sem se doar e do que a acusava, ele mesmo era culpado. Com medo de perder o controlo, perdeu tudo.
O que é que tinha custado ter as mãos disponíveis para ir com ela ou para a esperar do outro lado dos túneis por onde se metia para ir ver o que via nas suas próprias trevas. Ele podia ter sido a luz firme lá ao fundo. Julgou-a quando só precisava de a amar.
Foi apanhado desprevenido porque não esperava que uma mulher não esperasse nada. Dele. Com ele. Confundiu-se por isso e tomou por leviandade a certeza na Perfeição. Cheio de medo, escondeu-se. Refugiou-se nas trincheiras onde guardava as armas do costume e cujo uso frequente lhe deu mestria. Neste não digo isto, para não provocar aquilo e faço assim porque sempre fiz, deixou-a ir embora sem nunca se ter apresentado. Nem ter tido o prazer de a conhecer de verdade. Para não chorar com ela, chorava agora por ela…
É assim que se impede a vida de nos fazer viver, amputando-a da surpresa de se ir revelando no que acontece e no que deixamos que aconteça.Se não soubesse tanto quando a conheceu, ter-se-ia mostrado e talvez ainda estivessem a crescer entrelaçados no sofá e pela vida, ajustando-se cada um para caber o outro.
Quem lhe dera poder voltar a Montauk pela primeira vez, outra vez, e encontrar lá a sua Clementine.
Onde andaria ela…?

(to be continued)
IdoMind
About... a lot.

janeiro 17, 2013

Diques e Truques



Disseram assim:

- Olha para a dor de frente e a dor vai desaparecer, como um muro que se desmorona.
Pensei de imediato “como diabo isso se faz?? Eu quero!”
Fiquei curiosa por saber como realizar esta magia e continuei a ouvir, na esperança que fossem dadas instruções para a aplicação prática desta máxima, que me pareceu a cura milagrosa de tantas, se não todas, as patologias emocionais.

Tenho o privilégio de constatar, praticamente todos os dias, que a doença tomou conta da cabeça e do coração das pessoas. Se perguntados porque querem ou precisam de agir de determinada forma para obter determinado resultado, a resposta, quase invariavelmente, acusa dor. É o Medo de sofrer que (n)os leva a magoar. E o círculo fecha-se.
Se ao primeiro porquê se sucederem mais porquês, a resposta final, já irritada, acaba por ser - porque eu tenho razão! Gente grande a responder como rapazes pequenos. Será isto fugir de olhar a dor de frente e fazer com que continue a doer?

Com todas as implicações que traz, há muito que eu escolho o meu trabalho e não aceito patrocinar todos os litígios que me são apresentados.
Lembro-me do momento exacto em que tomei verdadeira consciência da importância da minha conduta profissional. Tinha acabado de tomar o comprimido vermelho e ainda andava a cambalear entre o deslumbre e a heresia. Não me pareceu muito distante a entretanto abundante literatura que já havia na área do desenvolvimento pessoal e espiritual, da ficção científica que estava habituada a ler e que continuo a devorar. Uma amiga emprestou-me então “ Muitas Vidas Muitos Mestres” do Brian Weiss. Para quem não conhece, trata-se de um psiquiatra reconhecido, formado na Faculdade de Medicina de Yale e portanto um académico. A minha amiga conhecia-me bem... Se fosse um tolinho qualquer de branco a falar-me de visões que tinha tido durante um jejum, na altura nem sequer tinha tocado no livro e reconsideraria manter a amizade.
Decorria o ano de 1980 e o Dr. Weiss foi trabalhar como de costume. Aconteceu que durante uma sessão de hipnose, a cliente que estava a tratar de acessos de pânico, medos e fobias inexplicáveis, vai tão para trás na raiz dos seus traumas que começou a descrever uma vida passada, narrando inclusivamente detalhes do que estava a experienciar que seriam impossíveis dela saber no contexto da sua vivência actual. De repente, a reencarnação reencarnou no gabinete do reputado médico, que por muitos anos manteve este episódio em segredo, receoso de como seria recebida a sua descoberta pela comunidade científica, pelos amigos e até pela família. Continuou porém a desenvolver esta terapia, conduzindo aquela, e outros pacientes, a vidas passadas. O livro é o relato de algumas destas sessões.
Numa nota, a determinada altura, o Dr. Weiss menciona que de todos os pacientes que em estado de hipnose descreveram experiências de vidas passadas, bem como o que acontecia logo após a morte nessas vidas, que chamam de “ espaço entre vidas”, apenas um descreveu a experiência de ter morrido e ter ido para um “lugar”  correspondente ao que imaginamos ser o inferno – um advogado!

Caí em mim!

Tive noção naquele momento que TUDO o que faço tem uma consequência. Quando morreu na vida que foi levado a relembrar em estado de hipnose, aquele advogado deve ter partido em tal estado de desconformidade com os desígnios da sua alma (ou da sua moral) que morreu julgando ser merecedor do inferno. Condenou-se assim em vida a alimentar o verdadeiro inferno - viver na luta consigo mesmo, pois haverá pior castigo que não ter paz?  Haverá pior condição que a falta ou a perda de amor por nós mesmos? Haverá pior violência que a praticada contra a nossa essência? Dia após dia após dia...Haverá pior inferno?

Percebi então que tinha a responsabilidade, não de evitar o inferno, mas de usar a minha vida para construir nela o Céu. O meu trabalho constituía uma ferramenta valiosa para esta Obra. Não é só um trabalho. Nenhum trabalho é só um trabalho. O nosso trabalho é a matéria-prima onde mostramos de que matéria somos feitos. É uma terra por arar os frutos que haverá de dar.

A minha postura mudou muito desde então. Cada pessoa sentada à minha frente, no escritório, deixou de ser um cliente para passar a ser Eu à procura da minha ajuda. Afinal de entre milhares de colegas, foi a mim que recorreram.
Aproveitei-os então, e sempre que consegui, para colocar janelas bonitas no meu Céu, dar um jeito nas varandas ou arranjar o jardim da frente.
O inferno é a ilusão de que estamos separados...

Fui estendendo este entendimento ao resto. Quanto mais me responsabilizei pelos meus actos, menos os actos dos outros me foram doendo. É que ninguém me faz nada que eu não tenho feito antes…
Sabendo e acreditando que assim é, passei a estar atenta às minha reacções "normais", automáticas, instintivas. Geralmente defensivas. De que me defendia eu? O passo seguinte foi então descobrir onde e porque doíam os ataques dos quais precisava de me defender.

Parece-me que não há grandes dúvidas que foi de quem mais confiávamos, que apanhámos a bactéria alojada em nós a deitar ovos até hoje. São antigas as memórias que ainda hoje nos manobram os passos.O nosso passado contamina-nos o Presente. Passado este que pode ir tão longe como os passados dos pacientes do Dr. Weiss ou bater já ali, na infância difícil e nuns pais impreparados para o Amor.

Uma vez que estou numa de confessionário, as minhas dores, as que consigo reconhecer pelo menos, devo-as a um início de vida hostil, que me levaram a arranjar uma maneira de sobreviver à carência de afecto. E de muito mais.
Primeiro que aqui chegasse…Tive de passar pelos clientes que eram Eu à procura de ajuda.
Também os meus pais (pai) era Eu a aprender a pôr comida na mesa para quatro. A dizer não aos amigos para ir ajudar nos exercícios de matemática e colocar a mesma pergunta mil vezes até perder a paciência e esticar da mão contra uma coisa pequena que não queria fazer contas, queria ir ver  “ O fugitivo”.
Vim para dizer àquelas pessoas que a vida deles nunca mais ia ser igual e é natural que não se consiga logo acertar nisto de ser um pai que não deixa marcas…
Se está tudo resolvido e hoje é só beijos e abraços? Não!! Ainda preciso de aprovação, ainda me doí tanta parvoíce, ainda não sou Livre.

Ouvindo dizer que bastava olhar de frente e a dor desaparecia, é claro que pus nisso toda a minha atenção. Queria tanto saber como, que esqueci a timidez e expus a minha dúvida:

Sabemos que é aconselhável enfrentar os nossos medos.Isso é fácil. Se tenho medo, por exemplo, do escuro, posso fechar-me num quarto e passar uma, duas, três, muitas noites às escuras até deixar de temer a escuridão ou ter um enfarte. Se tenho medo do abandono, posso ir dizer tudo que tenho engasgado a quem tenho medo que me abandone e esperar que a pessoa fique e me ame ainda mais ou vá embora de vez.
É-me mais fácil identificar o medo, que a origem da dor. Por conseguinte, é-me mais simples saber o que fazer para acabar com o medo do que com a dor.
Soma-se que acontece vencer o medo e nem por isso acabar com a dor.
Como se faz então?
Como é que se olha uma dor nos olhos? Tantas vezes nem sequer sabemos qual é órgão que se está a queixar.

Eu perguntei a um monge como se olhava de frente para um coração partido.

A vós, o que vos dói? Porquê?
Conseguem dizer?
Conseguem dizer-me?

Também esperam que seja o tempo a cura-la...?

É que estou cansada de algumas dores e gostava mesmo que magicamente desaparecessem como um muro que desmorona…

IdoMind
About easing this soul of mine…

janeiro 16, 2013

De Mago a Louco, vai só um pouco



Estou para florir há três semanas. Há coisas a empurrarem-me de dentro e com tamanha vontade que já começaram a partir-me a pele. Devem ter pressa ou um prazo qualquer porque desde ontem que me sinto a estalar por todo o lado. Estão incansáveis a abrir uma saída. Sinto-o em especial na zona do coração. Deve ser onde estão a pôr mais empenho. Faz sentido começarem por me destruir pelo meio, rebentarem-me o centro para que o resto se desfaça como uma figura na areia engolida pela maré que enche e leva.

Andava eu sossegada a tratar da minha vida, quando me senti empurrada pela primeira vez há cerca de dois atrás. Não sei por onde começaram a querer a nascer, sei que devem ter mexido no que até então tratava da simples missão de dividir o branco do preto e mandar o resto para reciclagem. Um dia, que parecia normal, tentei agir de acordo com o que era correcto e soube-me tão mal como se estivesse a pecar de olhos bem abertos. Até me deu uma tontura. Iludida que era recta, não passava afinal de uma cobarde. Toda a vida, com a vida. Tinha andado metida no comércio da felicidade. A minha pela de outros, a de outros pela minha, a depositá-la aqui e ali e a penhorá-la a favor do que não tinha qualquer valor até ser capaz de voltar para a resgatar e compensá-la pela má decisão.

Tentei lembrar-me quando e como foi que fiz do meu bem-estar pessoal uma moeda de troca e acho que foi sempre assim. Só com a minha irmã tudo foi de graça, o demais chegou e partiu num negócio, só variável no volume maior ou menor de transacções. Porém, e apesar do sucesso de todas estas operações comerciais, eu era única que não ficava feliz com as minhas próprias escolhas.
Eis o cavalo de Tróia,  que de mansinho e de pantufas, me trouxe a anarquia para dentro de casa. Antes de me empurrarem, eu não sabia que tinha Escolha. Pensava que viver era respirar… e reagir. Habituada a pagar o bilhete, não me tinha apercebido dos remos encostados às mãos. 
De que me queixava eu, se embarcava sem me sonhar.
Deixei então de encontrar paz na ausência do conflito. Eu não era pacifista, havia permanecido passiva para não acordar os animais de estimação de ninguém. Sem querer levantar poeira, nunca a varri de debaixo dos meus pés. Inevitavelmente, aconteceu um grão ou dois entrarem nos sapatos. Causando feridas ao fim de uns quilómetros. Imprevisivelmente, uma ventania ou outra trouxe com ira o pó contra os olhos. Fazendo-os chorar. 
Ignorar as minhas necessidades não fez com que fossem menos necessárias. Ou realmente importantes.
Parecia que tinha descoberto que era adoptada, depois de ter andado a enxotar vezes sem conta a sensação teimosa de não pertencer a um lugar. Foi assim que senti as estaladas da verdade a despertar-me do sonambulismo.

Sem rebeldia, vi-me na adolescência do meu Destino. Eu não sabia nada e tinha a gestão do meu Caminho para reaprender. As regras que havia seguido, com incontestada obediência, violavam a Lei e era por isso que eu colhia tempestades quando me semeava de resignações. Abusos. Medos. 
Foi assim que começou a minha crise. E já lá vão dois anos de medidas de austeridade. De cortes...
Impus-me a solidão e o silêncio para ver me encontrava depois do ruído que quase me deixou surda aos ecos da minha eternidade. Precisava ver-me e abraçar-me. Despedir-me do que estava a mais e só pesava. Prendia. E asfixiava a audácia de pelo menos tentar.  
Tenho levado este tempo a perceber por que águas quero remar o meu rumo. E a abastecer-me em terra para não morrer no mar. Pus tudo em dia e até renovei a fé, que entretanto tinha caducado, para poder passar as fronteiras que fossem aparecendo. Andei a tomar banho a cada palavra e a cada gesto, vendo bocados meus a ir pelo ralo. E outros, tão bonitos, a despontar. Há dois anos que me ando a limpar e sinto-me, por fim, gira e pronta para ir para a rua.
Oiço o meu nome a ser chamado. Desconheço o que aí vem, mas reconheço quem lá vai e isso basta-me para saber que vai tudo correr bem…
IdoMind
about harvesting


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