dezembro 22, 2011

Feliz Natal? Que dizes...?


Não há dinheiro. Não há prendas.
Não há prendas, não há correrias nos shoppings, hipermercados e companhias.
Não há gritos, nem “ não penses que para o ano vai ser assim!”.
Não há dinheiro para gastar. 
Há tempo para parar. 
Há uma casa nova, sem caixas de vários tamanhos debaixo da árvore, mas com uma nova postura em cima da mesa.
Há pais novos a aprender e a ensinar uma nova tabela de prioridades. E de valores.
Há filhos que vão crescer. 
Sem dinheiro, o Natal vai revelar a sua verdadeira magia - o Amor que nos une aos nossos.
E que não tem preço...

Vai demorar, mas um dia haveremos de entender como andámos desviados do que importa. Está a doer, mas lá mais à frente, compreenderemos que tínhamos tanto e éramos tão pouco…Tomara fosse mais suave a transformação. Que a pele estivesse só a cair ao invés de nos estar a ser arrancada.

É do fundo do meu coração, meio partido, que escrevo hoje. Particularmente hoje.
Nos últimos dois anos não me lembro de um só dia em que não tenha lidado com a perda. Não só de pessoas próximas, mas sobretudo em virtude do meu trabalho. Tem feito parte das funções assistir à ruína de famílias inteiras. De empresas. De sonhos. Pessoas e vidas destroçadas que me deixam a perguntar sobre o propósito deste sofrimento todo.

E lembro-me do momento em que o Sr. Joaquim perdeu a fé. Diz ele que foi numa noite na guerra do Ultramar. Com o cheiro da morte a intoxicar a esperança e os jovens, como ele, aos bocados por ali espalhados, viu-se a dar um ultimato a Deus: “ Se Existes, este é o momento de Te mostrares…”
É fácil deixar de acreditar no que quer que seja quando a dor nos parece só absurda. Imerecida…Estupidamente gratuita.

É então que empurro o Sr. Joaquim com a memória da cliente que um dia, em que a aflição dos de hoje ainda não se fazia adivinhar, me pediu para terminar a reunião mais cedo porque precisava de ir a casa, a cerca de 15 quilómetros, trocar a carrinha que conduzia, pelo Mercedes da família. É que não podia ir buscar o filho ao colégio, (mesmo ao lado do meu escritório) com a viatura de trabalho…Por isso, preferia “ir num instante” percorrer aquela distância, depois voltar e tornar a fazer os mesmos 15 quilómetros de regresso a casa… Na altura, este comportamento chocou-me de tal forma que comentei com a minha colega e lembro-me do que lhe disse: “ Ela está a dizer àquela criança que há algo de tão vergonhoso em ter menos que um Mercedes, que nunca será aceite se não tiver sempre o último modelo. Que herança pesada…”

É assim que temos vivido. A aparentar. Só que a aparência de repente ficou demasiado cara para nós e deixámos de ter como a manter. Fica a verdade. Ainda somos alguém mesmo sem Mercedes ou casas de mais assoalhadas dos que as que utilizamos.

Não. Não me perdi. Estava a falar do Natal. E das prendas emagrecidas pela dieta forçada que a viragem implica. Da fome imposta às carteiras. E do medo… de não ter o que ter.
Pode não haver dinheiro. Mas continua a haver Natal. Ou, finalmente, há Natal…Em que o abraço e o copo de vinho ganham muito mais valor que as coisas que se compram porque parece mal não dar uma lembrança a quem não tem importância nenhuma. A ceia vai saber a aprendizagem…a lições de coragem, de força e de saber largar.
Este ano será para muitos, o primeiro Natal, do verdadeiro Natal. E isto merece celebração.
IdoMind
About freedom

dezembro 14, 2011

Não é porque estão a pedi-las que devemos dá-las



Estavas longe de imaginar quando saíste hoje de casa que não voltarias a entrar a mesma pessoa. Estou imensamente orgulhosa de ti. Até me apetece deixar escapar algumas lágrimas por fazer parte da tua vida e ter estado aqui para te ver a desembrulhar as asas amarrotadas que escondias. Ou protegias…
Podias ter ido. Podias ter corrido. És bom nisso. Em fugir sem olhar para trás e largar para quem fica o trabalho de apanhar os pedaços partidos da alma que não volta a ficar a mesma. Há uma cola que devia ter o teu nome. Usa-se a chorar. Usa-se a jurar que nunca mais.

Podias ter feito igual. Pensar em ti. Só em ti. Não julgues que estou a julgar-se. Não estou. Tenho a minha própria conta para acertar. Os meus minutos estão contados e não tenho a mais para dispensar noutro conto que não o meu. É que já te vi daqui a fingir a tua altura apenas para diminuir o tamanho de outros. Baixaste-te para te dares com os mais baixos e ergueste-te para chegar ao que estava fora do teu alcance. O que poderia ter feito de ti maior ainda, se não te fizesse feito só egoísta. Entraste por vidas adentro sem limpar os pés e deixaste tudo sujo de pegadas. Podias ao menos ter pedido desculpa e, já agora, aprendido a tirar os sapatos…só para não magoar nem deixar marcas de lama no que encontraste imaculado.

Não baixes os olhos. Dá-me um abraço. Ninguém consegue caminhar sem pisar alguma coisa. Ou alguém. Mas tu tens abusado do privilégio, meu amigo… Para que conste “ tu sabias que sou assim” não faz ficar tudo bem nem retira um grau de dor ao teus golpes.
Sabes, há para todos nós um dia e uma pessoa que nos levam a fantasiar que “comigo vai ser diferente”. Um pirlimpimpim a serpentear pela barriga acima na certeza de que somos especiais. O ou A tal que vai mudar uma maneira de estar. Ou de não estar. Baptizamo-nos de novo como Luz que se vai acender para alguém num género de redenção providencial. Isto acontece. Acreditarmos que temos o poder de modelar a essência do Outro. De lhe meter as mãos na espinha e pô-lo a caminhar. Numa certa direcção…Por nós. Connosco.

É fácil sonhar isso contigo. Em redimir-te. Iluminar-te. Tens a rebeldia que apetece dominar. Exibes uma liberdade que convida a pagar para ver. E esses olhos…Carregas nesses olhos a solidão infinita a pedir um fim. Quem te pode resistir? Arruínas com o resto no sorriso perfeito que abres e outra bandeira branca é hasteada em rendição. Não te rias. A tua doçura pode vir a amargar-te. Também se paga pelo aluguer dos Dons. Do aproveitamento que deles retiramos. Qualquer um pode manipular. Apenas alguns conseguem ensinar…

O que não serve o Amor serve para nos condenar. A repetir. A não chegar. A perder.
Até servir para nos transformar. De dentro para fora…
Talvez te tenha acontecido o vazio. Aquele buraco que nada enche. Não sei. Quem sabe deixaste de achar graça a não te deixares conhecer. Pode ser que tenhas precisado de ouvir “ vamos passar isto os dois” e tenhas perdido a vontade de passar por isso sozinho. Se calhar encontraste, ou reconheceste, alguém mais importante para ti que tu mesmo. Não sei. Sei que te vi feliz a fazer por outro apenas para o fazer feliz.
E bastou-me para te saber a transformar. No que És.
IdoMind
About not taking advantage

dezembro 06, 2011

E agora?

Sou muito mais antiga do que os teus olhos possam deduzir quando me miram à procura de um sinal qualquer do sim que precisas para avançar. Não te deixes iludir pelos ares que dou. Cá dentro, estrelas nascem e morrem em silêncio para me darem à luz. Constantemente. Mas é um processo secreto. Só meu. Engulo-lhes por isso o brilho de todas as vezes para que não me percebas outra. Já mudada. Por nós mudo o que começou por ti. Tu és a pergunta difícil que Me questiona. Que fica e recusa calar-se mesmo depois de uma resposta idónea que arranjei ali assim, no meio dos princípios e dos valores que me convém fingir continuarem a ser meus. Parece que me pressentes para lá do que pareço. Como um espelho das minhas caducidades a denunciar versões ultrapassadas, adulteradas, repetidamente copiadas, de mim própria. Tu não me permites falsificar-me. Não sem reconhecer que essa é a minha opção. Minha. E que podia ser outra. Se eu quisesse. Se eu me achasse capaz de suportar certos pesos sem lamentos. Sem arrependimentos. Ressentimentos. Sem ferimentos…

É que as minhas memórias vão muito mais longe que o primeiro “olá, como está? É o meu corpo que o diz. São os sonhos que o confirmam. Estive aqui antes. Lembro-me que amar era mais simples. Muito menos vergonhoso. E a felicidade era isenta da taxa de culpa que hoje a agrava. Que lhe põe um preço tão alto que a maior parte de nós não se dispõe a pagá-lo. Venho de um tempo em que as mulheres e os homens se encontravam para dignificar a Vida. Sabiam-se eternos pelo que o adeus ainda não tinha sido inventado. Nem outro pronome possessivo além do Nosso. Porque o Meu e o Teu ainda não existiam os homens e as mulheres eram livres. Uns dos outros…

Estranhas agora o meu diálogo mas esta já foi a linguagem que entendíamos. A única. Quando nos deitávamos debaixo das árvores deslumbrados com a Criação. E o Céu ainda não era alcançável. Era só azul e bonito… A fruta sabia a sentimentos. Sem o pecado. Tinha gosto de inocência. E inocentes permanecíamos depois a provar. De a trincar. Morder. De a comer com prazer porque há fomes que são sagradas. E nunca podem deixar de o ser. O cheiro da terra tinha poder na altura. Celebrávamos o Mistério e com gratidão aceitávamos o Seu convite para a Grande Festa. Éramos iguais então…
Olha o que o fizemos ao Amor neste intervalo entre o estado puro e os instintos metidos num fato com gravata. Virámos o mundo ao contrário e é claro que andamos perdidos às voltas com a impressão de nunca chegar a lado nenhum. De não haver mais para onde ir. Ou fugir. Mexemos na Ordem a que tudo obedece e condenámo-nos com isso à procura que não acaba. Aos encontros que não satisfazem. Aos comprimidos que adormecem o Apelo…

Vieste lembrar-me que embarquei nesta evolução esquisita. Carcereira de almas e de caminhos. Também eu virei a minha natureza do avesso e uso-a com acessórios para esconder suas vontades. Anda contrariada e por uma vez ou duas dei por ela a tentar arrancar os não devos e os não posso que lhe visto. Foi por um triz que não se despiu diante de ti e disse o que não devia. O que não podia…
Fui para a casa de banho pôr-lhe as roupas de volta pedindo a Deus um Novo Começo.
Outra Eva. Outro Adão. Outro testamento.
Um que permita o Amor e não que o proibia…
IdoMind
about skins that meet  

novembro 15, 2011

Concentrado para mim, se faz favor

Fatigada desses amanhã-é-outro-dia, não-merecias-nada-que-isso-acontecesse ou aqueles deixa-lá-que-foi-melhor-assim, sempre à mão para nos salvar de uma intimidade que não pedimos. A cábula comum, de expressões-marcadores de linhas entre o espaço onde simplesmente queremos que nos deixem em paz e o espaço onde aparentemente essa paz tem de ser mantida.  Mais cedo ou mais tarde, temos de vir à rua e há sempre alguém por lá desejoso por falar. Por partilhar. Por nos convidar para qualquer coisa porque precisa de desabafar ou porque diz que tem saudades de estar connosco. É claro que não vamos negar o par de ouvidos. Nem responder que não sentimos o mesmo. Que por acaso até apreciaríamos, mais, estar sozinhos. Passear ao longo da Foz à hora de almoço, abandonados a pensamentos aleatórios, à fala do mar, a nós…
Não seria elegante afirmar “Fala menos e escuta-te mais. É o que estou a tentar fazer. Se me deixares…Não me leves a mal, mas há dois anos que tens o mesmo problema. Já paraste para perguntar se o problema não és tu?”


No gesto automático de sacar da cábula, acabamos por declamar “Tens de ter paciência. Continua a fazer um bom trabalho que alguém um dia vai reparar.” Ou, umas linhas mais abaixo “ Dá-lhe um tempo que vais ver é só uma fase, as mulheres são assim.” E o clássico, mas, nem por isso em desuso “Não ligues, isso passa.”
Ao longe, do mar uns vislumbres de azul e a hora de almoço já passou…

Não. Não é egoísta escolher ao que dar atenção. A quem. É lealdade.
Desleal é cabular…
Trezentos amigos e naquela noite ligaste ao teu irmão. Ao pai que sabes que, independentemente de todas e as mais dolorosas diferenças, vai a nado ter contigo à outra extremidade do planeta. Ligaste, ironicamente, a quem não ligas nenhuma. Naquela noite, foi um estranho que ficou contigo sentado na beira do passeio…
Não te faz pensar? A Lei é infalível na retribuição. Isso não te faz pensar? Isso não te faz parar?
De falar. De espalhar. De rir. Como um golfinho amestrado. Tão apropriadamente. E lá recolhes as tuas palmas. Pára de perguntar. Estás sempre a perguntar quando não queres ser questionado. Não há bichos-papão no silêncio, sabes…? Fica. Acalma esse impulso de te dispersares por aí. De enfraquecer a tua essência diluindo-a por copos alheios. Misturada com açúcar. Corantes e conservantes. Bebida às pressas, sem lhe tomarem o sabor. Deixada no fundo…
A qualidade é cara porque se escolhe a matéria-prima superior e depois trabalha-se com tempo, com dedicação, os detalhes que fazem o resultado ser diferente do vulgar. É o preço do excepcional. Do único…Do que dura.

Não sei se já te perdeste nas minhas divagações ou se estás encostado na cadeira do computador aos suspiros, mais ou menos abafados, porque te estás a ler nas minhas jardinagens. E agora a rir e a pensar que não te apetece nada ir buscar as calças à 5 á Sec. Sabes porque sei isto? Porque te seleccionei. És da melhor matéria-prima que existe. Autêntica. E dediquei-me. Trabalhei-nos. Dei-nos tempo.Por isso duramos.

Agradece-me não usar cábulas. Amar, por vezes, é não dizer nada. Ser amigo também é ir embora e fechar a porta do teu lugar sagrado onde todas as tuas respostas podem ser encontradas. Ter o egoísmo suficiente para pedir que nos deixem ir falar com o mar. Sozinhos..
Estamos aqui hoje porque Eu quero estar aqui hoje. Contigo. Eu e a minha lealdade.
No bom e no mau. É como tu, autêntica. E por isso única...
Pagas o preço? Tenho troco.
IdoMind
about shitty relationships

novembro 11, 2011

11-11-11: Porque não me lembro de outro título e porque hoje é 11-11-11


A roda girou. Completou uma volta perfeita. Tão redonda. Rodou por nós e connosco. Rodou-nos…Foi quando ficámos de cabeça para baixo. Lembram-se? Dos dias em que andámos ao contrário dos outros e foi difícil fazer e ter sentido. Arranjar um. Ou pelo menos um motivo, ainda que sem qualquer sentido. Às vezes o telhado inclina-se muito e é no beirado que suspendemos a nossa queda. Até ao limite da resistência que até julgávamos que não tínhamos. Pendurados e indecisos entre ascender, de novo, ou derrapar, finalmente.

Estive pendurada. Vim por aí abaixo e cai. Nem sempre de pé. Deixei-me ficar caída, a tentar agarrar o céu com as mãos cravadas na Terra. Procurando ouvir os ecos da linguagem desconhecida, subtil, a acontecer a todo o tempo que Eu não entendo o tempo todo porque ainda não sou só Alma. Ainda desejo. Desespero. Gosto e deixo de gostar. Ainda me faz diferença a indiferença. A dor… Importa-me o Mundo. As crianças que morrem. As lanças que se atiram de olhos vendados. Os peitos blindados. Importa-me quem não se importa. E abandona. Fere. Marca. Ainda me esqueço que o que está escrito deve acontecer. E que somos todos necessários. Até quem abandone, fira e marque.

Eu própria o fiz. É assim que a Roda se mexe. Muda-nos de sítio. De roupa. E depois dás-nos a Estação que precisamos para aprendermos acerca de julgamentos rápidos, de negligência e, por fim, sobre humildade, porque cada dia é todos os dias o primeiro dia.
Isto foi o que aprendi até aqui. Vim com uma caneta mágica para escrever uma história. A minha história. Reescreve-la. Fazer umas emendas. Dar-lhe um Fim. Ou uma continuação…

Posso, neste minuto, daqui a pouco, amanhã ou para o mês que vem, fazer um ponto final paragrafo e começar outro capítulo. Outro livro até. Nada me impede de nada. Excepto o medo.
Quando penso que já ouvi alguém confessar que não terminava com a sua própria vida porque temia depois não ter paz! Depois? Depois de quê? O depois só existe na medida deste Agora. Criado. Vivido. Sofrido, é verdade, algumas vezes. Mas apenas se quisermos. No Agora seguinte, meio Alquímico, podemos transmutar o sofrimento em sabedoria. A revolta em aceitação. As doenças em compreensão. Podemos confiar no Propósito em vez de pensar em morte. Ou noutras coisas que nos matam aos poucos…

A pergunta que se impõe é simples: quero, verdadeiramente, mudar?
E se, verdadeiramente, concluirmos que já chega, avisar a Vida que estamos prontos para outras brincadeiras. Como? 
Acordados, antes de mais. Evoluir faz-se de olhos abertos. É necessário olhar bem para dentro e para fora de nós para descobrir as deformidades mascaradas quase sempre de virtudes. Não é boa educação fazer o que os outros querem. Não é responsável viver infeliz porque há uma casa para pagar. Nem digno ficar para não fazer sofrer. 

Cada um só pode escrever com a sua própria caneta. Viver é um acto pessoal.
E quando decidirmos viver a NOSSA vida é aí que os nossos pensamentos, os nossos sentimentos e as nossas acções devem encontrar-se e partir na mesma direcção.
Este é o sinal de que estamos prontos. Para o que quer que seja. É nosso...
IdoMind
about  energies set in motion

outubro 04, 2011

Fronteiras

Oiço falar muito de apego. E da necessidade de o dominar a fim de alcançarmos estados de espírito próximos da perfeição. Li muitos livros. Aprendi exercícios. Magias. Truques para me desapegar. Desde desapertar fios a ver-me levitar. Não funcionaram lá muito bem. Parece que não mudei assim tanto desde os meus tempos de menina em que precisava de compreender para reter. Para apreender. E não compreendo a urgência do desapego como condição para ser perfeita.

Sou apegada. Não sei se muito. Se pouco. Se na medida certa para cada situação ou na dose exacta para cada pessoa. Sei que me preocupo. Que quero saber. Que oro e peço pelos meus apegos. Para que tenham sorte, sejam felizes, fortes, audazes o bastante para não se deixarem morrer entre as dez, doze ou mais horas de trabalho e outras tantas entre dar banho aos miúdos, fazer o jantar e varrer a cozinha. Fora as contas que engolem o pouco que fica para pequenos mimos. E fico ali, por perto dos meus apegos vigiando para que a esperança não os abandone porque tudo é necessário. Mas tudo é temporário. Sim, importam-me as suas lutas. E os respectivos desfechos.

Eu conservo o fio que me faz chorar e revoltar e revolver com as tristezas da minha irmã. E a comungar da alegria dos seus sucessos. Escolho quase levantar voo de tão insuflada pela vaidade de a ter aqui, como a minha companheira, com o mesmo sangue a circular-nos de alto a baixo até ao coração e do coração de alto a baixo, neste movimento que faz de nós as Catita. Escolho irritar-me com as imprudências do meu melhor amigo que o levam uma e outra e outra vez a rachar a cabeça mesmo ao meio. A sangrar muito. A sarar apenas para voltar a ser imprudente. Escolho ter saudades, tantas, de algumas pessoas e, superando o que as decepções me ensinaram sobre manter orgulho, telefonar só para saber como estão. Porque o meu maior desejo é que estejam bem. Independentemente do desejo delas quanto a mim…
Não foi sempre assim. Outrora julguei-me desapegada. Descobri que afinal era medrosa. A nossa coragem também se mede pela quantidade de nós que entregamos na mão do Outro e da quantidade do Outro que aceitamos nas nossa próprias mãos. Esta é a ciência do Caminho: percorrê-lo sozinho mas em partilha. Sincera e Amorosa. Total. A partilha com “P” grande só é grande porque não se divide. Não dá para partir e ir abonando em suaves e convenientes e razoáveis porções. Ou damos por inteiro ou o que fazemos não é Dar. Não é Entregar. Não é Partilhar. Geralmente não é Caminhar. Pelo menos, não o caminho com o “C” grande. Aquele que empresta os passos e empresta o ombro, que cola a outro, por um certo tempo em certas provas.

Este é o meu apego. O que ama. E por isso não vai embora, não enfraquece com algumas fraquezas, não se ofende com algumas ofensas e fica. Mesmo ao longe observa confiando que o “ era uma vez” acabará com o “ foram felizes para sempre”. O meu apego não me põe de caneta na mão a escrever a história de ninguém. Nem me dá o trabalho dobrado de fazer a minha parte e a parte de outros. Não sufoca. Não poupa. Não manda. Não sabe tudo. O meu apego não se avoca a justa causa para viver vidas que não me pertencem. Muito menos para impedir o seu legítimo proprietário de lhe dar o uso que entender no exercício sagrado do nosso do maior e único bem: a liberdade.

Não, não. O meu apego não se esconde, não se cala, não finge, não sabe jogar esses jogos esquisitos em que ganha quem mais constrange o outro a expectativas veladas. Tácitas. Forçando-o a agir como queremos e não de acordo com a sua própria vontade. Todas as mulheres magoadas sabem do que falo porque com mágoa todas jogam jogos esquisitos. E perdem com o tempo. Todos os pais e mães contrariados sabem do que falo porque usam o respeito e a autoridade para tolher o livre-arbitrio dos filhos, esperando deles o que eles ainda ou nunca querem na verdade para si. E é grande o sofrimento. Todos os amigos cobardes sabem do que falo porque oprimem com exigências e carências que eles mesmos são incapazes de suprir. E ficam sozinhos.

Nunca é amor se forçamos alguém às nossas escolhas. Nem de um lado, nem de outro. Esse apego é como um nó. Não é o meu apego. O meu apego é um laço. É isso mesmo. Eu não sou apegada, enlaço-me… 

Não sei se faço bem ou se faço mal. Ouvi dizer que isso das emoções também não é recomendável a quem quer ser perfeito. E ter o tal acesso estados maravilhosos de existência. Também sobre este assunto li muitos livros, aprendi exercícios, magias. Truques para dominar as emoções até as erradicar. De novo não compreendi. Logo não apreendi. E continuo a emocionar-me. A enlaçar-me com emoção. Concluo, que me prefiro apegada.

A minha paz visita-me quando me ligo e me vejo no Outro que, de alguma maneira e que por algum motivo, que nem sempre são o mais importante, aguardam por mim no meu Caminho, que tento caminhar com “C” grande.
Faço-o através do Apego desapegado por tudo o que Amo. É como consigo. É como sinto que está Bem. Para mim.
Que cada um descubra como está Bem, para si. E ouse caminhar em grandeza.

IdoMind

about feeling life, others and myself

setembro 19, 2011

Morrer - Parte I

Há pessoas a morrer mal. Abandonadas ao pânico da viagem que têm de realizar sozinhas. Sem saberem para onde vão. Se há um sítio para onde se vai. Se vão, sequer… E não é a morte que temem afinal, mas sim o “ e agora?” que não conseguem responder. Estão em cima da linha que divide o visível do Invisível e desejam tanto que o tivessem visto mais cedo. Que tivessem sido boas pessoas, bons maridos, melhores irmãs e irmãos. Ido à missa. Ajudado África. Ou aquele velhote do prédio da esquina de quem todos se esqueceram mas que também tem estômago. Fica doente. Só…e assustado. Nunca ter dito “não vales nada”,“nunca vais conseguir” e “ era só isso?” a quem teve de esforçar-se o dobro para acreditar em si depois.
E o profano ensina, pela última vez, que é Sagrado. Perto do fim, a palavra Desperdício faz-se entender. E faz chorar…E mete medo…E agora?
O Arrependimento junta-se à festa de despedida e o adeus fica mais escuro. Muito mais árduo. Lamentam-se as mentiras. As omissões. Todos os actos intencionais de desamor. Todo o esforço empenhado a treinar o ego no maneio da faca. O sorriso que não se deu porque não fizeram por o merecer. Cara-feia e meias-palavras ditas em jeito de frete para ver se aprende. Era o que mais faltava, ser compreensiva com a diferença. Paciente com crescimentos mais lentos. Era o que faltava…
Mas foi mesmo o que faltou. Aproveitar A oportunidade para nos inventarmos graciosos, porque é de Graça que somos feitos. Faltou ouvir a voz que nos pergunta como vai a nossa cabeça para o travesseiro diante das opções que fazemos. Que perpetuamos. As que deixamos de fazer por orgulho ou falta dele. Faltou coragem para viver a vida a sério. Para amar a sério. Para Ser a sério. É a morte que o mostra. E pede-se perdão…Com tanta tanta dor.
É assim que se morre mal – esmagados pelo remorso e a incerteza da pena.

Se eu morresse hoje, morria bem. Não porque fiz sempre tudo certo. Não porque fui sempre correcta. Uma boa menina. Filha exemplar ou amiga presente. Não estive sempre à altura da essência que trouxe aqui a passear. Fiz coisas más, das piores maneiras. Experimentei o que não me favorece para descobrir o que me assenta como uma luva. Pode ser que um dia escreva sobre todos os desvios e todas as paragens que me mantiveram longe de Casa. Será uma interessante trilogia… que sirva para me aproximar de todos que se acham dignos de arder numa fogueira qualquer porque não atingiram a perfeição dos mártires e dos que acham que pelo martírio evitam a fogueira.

Vou morrer bem porque aproveitei para pedir desculpa, ainda que algumas das vezes tarde de mais para reparar certos danos. Faz parte perder para aprender a ser humilde. Aproveitei para aprender isso. Aproveitei para dizer amo-te, para dar o tal sorriso. Para substituir a precipitação pela reflexão. Continuo a perder e a ter de pedir desculpa. Ainda me apetece fazer o que sei mal porque me sabe bem. Porque estou habituada e tem de ser aos poucos.

Sei tudo isto e sei que vou morrer bem porque o que está em cima é como o que está em baixo, e o que está em baixo é como o que está em cima”.Se posso escolher como quero viver é certo que posso escolher como quero morrer.
Vou por isso em paz. A flutuar enquanto largo os sacos da Terra na terra. Fiz o que pude como soube. E consegui. Quase sempre. Quanto às que não consegui, paciência. Na volta da roda poderei fazer diferente. Uma destas vidas, acerto…Morre mal quem acredita na Morte e não sabe nada sobre rodas que giram.
Eu não morro, mudo o tempo e o lugar da minha História Interminável.
IdoMind
about painful and quite silly ideias about God, Heaven and Hell 

setembro 16, 2011

Calma aí

Poupa-me. Quem pensas que és para me falar de pecado? Para esticar esse dedo direitinho em direcção do meu peito, como se andasse destapado. Como se o pudesses ver. Aos murros contra a pele…Que sabes tu de mim? Do que fiz porque tive de fazer. Porque era o que eu sabia fazer. Do que disse porque estava assustada. Cheia de dores. Porque queria que me deixassem em paz e há palavras boas para isso. Que eu conheço tão bem. Não te atrevas a largar culpa ao meu colo. Nem ouses manchar de arrependimento o fez de mim Melhor. E Mulher.
Está feito. Está dito. Está lá trás. E lá trás é aquele lugar que só vai quem se recusar a ir em frente.
Queres saber como cheguei aqui? Devagar. Graças às visitas imbecis e sempre tão severas lá trás. Nada passou num instante. Nada passou sem ser notado. Sem deixar marca grossa a assinalar a sua passagem. E derrapagem. O que eu crio é barulhento. Faz ecos. Longos. Ao fim de anos, se me encostar, em alturas como esta, ainda oiço os seus cochichos. Não preciso, por isso, que me lembres nada sobre castigos. Inventei tantos. Sim, castiguei-me. Dispenso Deus dessa tarefa. Sou adulta. Os adultos não culpam os santos surdos, os pais ausentes ou violentos, a sociedade ocupada a consumir, a vida que não espera, pelas consequências dos seus próprios actos. Os adultos sabem que a cama que fizerem é a cama em que se deitam. Foi o que me aconteceu. Escolhi o castigo quando escolhi fazer uma cama às pressas. Contrariada. Por medo. Infeliz. Fiz camas a chorar, acreditas...? Sem metáfora. A Lei funcionou de todas as vezes com a precisão matemática que usei, então, a meu desfavor. Já tiveste vergonha de ti? Eu já. Já quis não ser eu. Queres maior castigo?

Guarda para ti os teus juízos. Sobre mim. Sobre os outros. Sobre o que vês. Ouves. Acontece. Deixa a vida fazer o seu trabalho levando a cada um o que lhe pertence. Fá-lo por ti, porque a mesma medida te será aplicada. Assim é. Evita timbrar as tuas etiquetas por aí. Não conheces todos os rótulos. Nem a matéria de que cada um de nós foi coleccionando. Amontoando. Carregando. Transmutando no milagre alquímico do perdão a si mesmo.
Não sabes nada. Somos mistérios uns para os outros. Aceita-o.
Aceita-me. Com um percurso. Com camas mal feitas.Com histórias para te contar sobre pecados originais. Obrigatórios. Erros previstos. Escolhidos…Aprendidos. Esquecidos. Pagos…Males que foram os meus maiores Bens.
Aceita que o que julgas que é, pode não Ser.
IdoMind
about who doesn´t

setembro 08, 2011

Puro e Duro

Começo por fim a entender as frases feitas dos pensadores famosos, os delírios dos poetas e as utopias tibetanas, budistas e aparentadas. Encontrei-lhes outro sentido para além da beleza literária que enche o intelecto a uns e o facebook de outros… São os pensamentos de alguém imortalizados pela palavra. Nada mal para missão de vida, criar uma obra imortal…Uauu! Sobreviveram à mutabilidade dos tempos, das modas, inversões e subversões sobre o que vamos considerando certo ou errado, para chegaram até nós, incólumes. Quanto conhecimento se perdeu no sangue entornado pelos valores que afinal não tinham valor algum e que ardeu nas muitas fogueiras de fanatismo ateadas pela ignorância humana.
Cada livro é por isso um herói, que ao longo da sua história foi encontrando amigos, cúmplices, visionários corajosos, que lhe deram protecção para que o conhecimento não se perdesse, não ardesse, não se esquecesse.
Somos uns ingratos. Crianças mimadas e mal agradecidas. Tomamos por garantidos certos direitos que a lei hoje consagra, só porque ontem alguém deu a vida por eles. De direitos percebemos nós. Tanto, que sem termos feito grande coisa para os conquistar sentados na segurança da nossa cadeira no trabalho ou da poltrona de casa, nos achamos no direito de os desonrar, exercendo-os de modo egoísta, inconsequente e socialmente irresponsável. “ O que não é bom para a colmeia não é bom para a abelha”- disse-me um livro.
Aliás, os meus heróis preferidos falam-me disto de agir com elevação. Com consciência. Dos nossos actos. Dos respectivos e, tão infalivelmente, pontuais efeitos. Com respeito. Por tudo quanto nos cerca.Com fidelidade. Para com a nossa verdade mais profunda. Os meus heróis contam-me sobre pessoas estranhas que não temem a morte mas sim a forma como escolhem viver…
Não lhes interessam os direitos. Não os move o reconhecimento, a riqueza, o poder. Dá-lhes repulsa os ratos escondidos em buracos, longe da luz do dia, sobrevivendo à custa do lixo, dos restos, da sujidade do Homem.

Não. Nos meus heróis encontro quem abriu o peito à espada para que as espadas deixassem de fazer sentido. Foi pelo exemplo que sublimaram a sua existência. E de tão forma tão sublime que o tempo os recompensou com a eternidade.
Abriram e preparam os caminhos que nos trouxeram aqui. Foram pioneiros no meio de seguidores. Mudaram mentalidades. Sociedades. Decapitaram despotismos. Fizerem frente, de frente, à injustiça. Ao que não era Bom para todos…E foi assim que chegámos aqui, à Era dos Direitos…
Que temos nós feito? Além de falar mal… Estou convencida que, se protestar pagasse imposto, também isso deixaríamos de fazer. Somos gatos gordos domesticados pelos frigoríficos cheios e prendas de Natal supérfluas e desnecessárias. Começam agora a ver-se algumas garras com os frigoríficos a esvaziar e dinheiro quase só para o essencial.
Estamos afunilados na única saída possível: Mudar. A forma de pensar. A forma de agir. A forma de estar. A nossa forma… Temos de sair da forma para ganhar uma nova. Muito maior. Muito melhor. É um privilégio estarmos aqui agora. Está a ser-nos concedida a oportunidade de também nós sermos pioneiros como as pessoas sobre as quais lemos e levarmos a Humanidade mais perto da Perfeição.
Não é preciso esperar por ninguém. É só dar o exemplo.

IdoMind
about what´s coming

setembro 06, 2011

Desculpa lá

Ela ainda não sabia nada acerca de renúncia e já tinha renunciado a quase tudo. Habituou-se a perder. O que até poderia ser positivo se em alguma dessas vezes tivesse equacionado a hipótese de ganhar. Se na outra ponta do arame se tivesse visto a conseguir.
Quando a conheci pensei que todos nós deveríamos andar com um espelho num bolso. Assim, a jeito de porta-chaves, sempre à mão, pronto a devolver a imagem diante dele. E no outro bolso, um livro de notas onde pudéssemos apontar o que tínhamos visto. Era capaz de se revelar interessante reler os nossos apontamentos um ano depois de os termos iniciado. O que seríamos capaz de ler e de retirar? O que encontraríamos nas entrelinhas do nosso jornal diário? A mesma pessoa de sempre? As mesmas situações de sempre com personagens diferentes? Ciclos?

Estou a desviar-me. Mas ela tem esse efeito em mim, desvia-me. Disperso-me entre as mil pessoas dentro dela, perco-me sem saber qual delas está ali comigo. Conhecia-a. Uma pessoa incapaz de dizer que não e de gritar o seu sim. Aquelas que rearranjam a sua agenda, movem para cima e para baixo a sua lista de "coisas para fazer” consoante a lista dos outros. Tão solícita a todo o tempo que as pessoas começaram a esquecer-se de lhe perguntar se pode. Pior, se quer. Acho que isso acontece quando nos esquecemos de nós, o mundo ocupa o nosso apertado metro quadrado e, sem querer, pisa-nos…Não reparam que estamos ali.
Não tenho por ela a menor empatia. Faz-me lembrar as protagonistas dos filmes de terror que eu gosto, a mulher mártir do marido ignóbil, de dia boazinha e à noite ocupada a enterrar cadáveres na cave, à frente do vizinho deficiente que mantém refém na mesma cave.
Assustam-me as pessoas que não lutam pelos seus sonhos. E assustam-me ainda mais as que não sonham. A terra faz-nos coisas esquisitas se nos mantivermos presos a ela. Até apaga a memória da nossa origem e prende-nos na ilusão de que não somos os únicos responsáveis pela nossa felicidade. Ou infelicidade.

Com o tempo e o convívio fui percebendo que a disponibilidade dela não é inocente, nem desinteressada. É a sua moeda de troca. Ela permuta o seu tempo pelo afecto que de outro modo, julga ela, não teria. Faz-se amar às custas da falta de amor por si. Ainda que contrariada, ainda que cansada, ainda que desfeita por dentro depois de um dia daqueles, se lhe pedirem que passe pelo infantário para ir buscar o filho de uma amiga que tem cabeleireiro àquela hora, ela vai. Ainda que tenha conseguido, ao fim de três anos, combinar cinema com o colega de trabalho por quem nutre a mais acalorada e secreta atracção, desiste se a mãe lhe pedir para ir instalar a televisão nova que a Worten acabou de deixar lá em casa. Portanto só vive nos intervalos da vida dos outros.

Esta poderia ser só a minha percepção, alimentada pelo mau génio, ao que parece, genético, a retirar conclusões afiadas sobre o que considero fraqueza de espírito. Mas acontece que ela chorou. Calou a multidão dentro de si e permitiu-se chorar. De dor. Dói-lhe o coração. Finalmente. E as cortinas caíram. O teatro fechou por dor de coração da artista convidada.
Puxei-a para mim a rebentar de Amor por ela:
-“ Ninguém gosta de ti porque ninguém sabe quem és. Gostam da pessoa que lhes faz os favores, que está sempre pronta para ajudar, que não se exalta, que não diz “ vai tu”. Eu mesma só hoje estou a ver-te. Pela primeira vez, ao fim destes anos todos. Afinal és terráquea como eu! Juro-te que cheguei a pensar que tinhas vindo do espaço! Andava a estudar uma maneira de te ver o umbigo!”
O choro misturou-se com o riso na confirmação evidente que assim é a vida, nem muito isto, nem muito aquilo, mas uma receita onde se mistura um pouco de tudo. Daí o seu sabor agridoce...

Arrasou com a minha fantasia e explicou-me que não tem super-poderes. Que não consegue esticar o tempo, nem estar em vários lugares ao mesmo tempo. Nem sequer consegue adivinhar o que cada um quer ou busca  dela. Habituou-se a habituar os outros a precisar dela. Para isso, foi aos poucos desabituando-se de si mesma. Diluiu-se na corrente. A gota deixou de se ver maré.
Indagou-me sobre o motivo dessa necessidade de agradar a todos, da incapacidade de negar um pedido, do medo de ofender alguém se o fizesse. Não lhe soube responder porque não sei que pão ela já comeu. Certas respostas escondem certas recompensas, que nos cabe só a nós encontrar.
Pedi com toda a força ao meu Deus que tendo-lhe dado a lucidez para detectar o problema, lhe desse a sabedoria para criar a solução.
"Faz com que não seja vitimizar-se.Faz com que não seja vitimizar-me"- pedia eu cheia de fé, mais nela do que em Deus, a quem tanto faz como e quando chegamos até Ele.
Do outro lado do arame estamos muitos, os que ganham simpatia pela indiferença. Os que não fazem nada por ninguém a não ser por eles mesmos.
Algures no meio, onde os pássaros poisam para conversar uns com os outros, deve estar a formula para a  paz que foge dos extremos.
Idomind.
about balance

setembro 01, 2011

Quem vai ali, também sou eu

- Mas tens prioridade. Passa.
Ignorei e parei, permitindo a passagem de um autocarro.
- Agora vamos ter de levar com ele! – protestou aquela melga, em forma de gente, a quem tive a gentileza de dar boleia.
Coloquei a minha mão em cima da dele:
- São quase seis da tarde. Naquele autocarro vão muitas pessoas, aqui só vamos dois. Sujeitam-se aos horários, ao desconforto, ao barulho. Devem estar mortos por chegar a casa. Para nós o dia acabou. Vamos aqui, tranquilos, a ouvir Bon Iver…em direcção ao ginásio. Não te parece razoável que ceda a minha prioridade por aquelas pessoas? É o mínimo que posso fazer por elas.
- Deixa-me tocar-te!!! Foi a resposta do palhacito.
Claro que o resto do caminho foi despendido em profundas considerações filosóficas sobre a natureza humana. E desumana.
Ele chama-me sonhadora. Eu olho-me como a regra e não como a excepção. 
É minha convicção que a maior parte de nós cede, inteligentemente, nas insignificâncias pelo que tem significado. Que somos capazes de nos travar para não passar à frente de ninguém. Ainda que tenhamos prioridade. Ainda que possamos. Só porque podemos não quer dizer que devemos. Esta é a minha batalha, não adormecer ao volante. Vigilante a todos os pedaços desta vida e ao que por ela passa. A quem passa. Como passa…chamar por toda a minha bondade sobretudo quando as coisas dos homens estão a chamar por mim. Mesmo a pedir aquela palavra cujo impacto sabemos que irá ter. Aquele gesto estudado e o contra-gesto em resposta ao gesto obtido ao nosso gesto. Que canseira… O mal do Homem é presumir que entende o homem. Pensamos tanto, em tudo e até pelos outros, que preenchemos com o pensar o espaço do sentir. Do incontrolável. Nós controlamos. Somos controlados. E é assim que anda tudo dentro do controle. Mas nem por isso controlado. Os tempos que correm estão a ser mestres nesta lição. Viver não é controlar, é colaborar…

Não sei que aspecto do meu mapa astral que empurra para aí, se é um preço qualquer de vidas anteriores ou só fruto de uma, surpreendentemente, boa educação, mas a cada instante é essa a pergunta que me coloco: como posso colaborar para isto? 
Sinto-me melhor quando me sinto a contribuir. A ceder a minha pequena parte a favor da Grande Parte. A melhor parte para melhorar todas as partes. Experimentei e sei que é assim. Tudo o que faço só por mim não me chega. Nunca. E geralmente não funciona. É quando excedo os limites das minhas necessidades pessoais, dos meus pequenos desejos e, porque não admiti-lo, das minhas mediocridades, que vem aquele sentimento bom de ter feito alguma coisa importante mas que nem eu mesma sei bem o que foi. Sabem, aquela sensação quentinha que nos ilumina o dia. Que nos emociona sem percebermos porquê. É nesses momentos que sei que a Alma existe. E que eu tenho uma...
Sou mais feliz quando sou capaz de ir ao encontro dos outros com verdade, disposta a entender que, como eu, está ali com um percurso agarrado aos pés. E que às vezes a Estrada é magnética e atrai-nos contra o chão. Que as asas consigam exercer a força contrária e nos elevem.
Sempre…sempre…sempre…
IdoMind
About all parts

agosto 01, 2011

E viveu feliz para sempre

O dia hoje anda a namorar com a solidão. A minha primeira conversa da manhã foi parar aí. A segunda também. Queixas. Reconhecimentos das concessões, conscientes ou não, que se fizeram e se fazem para não estar ou ficar sozinho. Até o meu querido amigo…até ele…
Assustei-me porque não me assusta a solidão. Estarei tão doente como aqueles que a temem, mas ao contrário? O meu refúgio é o abismo de outros. Quem estará bem. E qual será a origem do mal?

Sim, já desejei várias vezes abrir a porta e ouvir o duche a correr ou o vapor a vir da casa de banho do quarto, um par de meias no chão, alguém a cantarolar uma música qualquer que ficou no ouvido, um “olá meu amor, chegaste…”. Houve algumas refeições que teriam tido outro sabor divididas por dois pratos. Pequenas conquistas que mereciam uma celebração diferente. Sim, já tive medo e naqueles momentos em que o coração parecia um órgão fora de mim e do meu controlo, daria tudo para ter um peito contra o meu para o manter no sítio.


Para me dizer, com as mãos perdidas no meu cabelo, que tudo iria correr bem. Que por um instante podia parar. Descansar. Reencontrar a fé que despistei com o pânico. Não é fácil superarmo-nos quando caminhamos sós. Cansa mais porque damos as mesmas voltas muitas vezes. Sabia tão em uma placa de direcção em alguns dos desertos da minha vida. Mas foi como li uma vez, num desses livros das bombas de gasolina, “Nunca sabemos como somos fortes até que ser forte é a única alternativa que temos”. E é mesmo assim. Na solidão fiz-me corajosa. E sozinha. Muito sozinha. Demasiado talvez.

A raiz do meu mal está na rebeldia ao que não é verdadeiro. A sério. Transparente. Saudável. Aprendizagem é uma coisa, sofrimento é outra. Eu não acredito que seja para sofrer e reconheço o sinal de partida na dor que não passa. Na que dói mais e mais a cada berro adiado. O “basta” que engolimos e estilhaça tudo por dentro. O latejar crescente dos “e que tal falarmos”, largados já em exaustação, mas que fazem ricochete sem fazer efeito. E continua tudo igual.

Nem pensar. Assim não quero. Antes a casa cheia só de mim. Dos meus vazios iguais aos de toda a gente - cíclicos, temporários e inevitáveis. Aceito responsabilizar-me pela forma como me deito à noite. Pelas marés que crio com tudo o que não entendo e não dou ao tempo, o tempo para entender. No fim, tudo é revelado. É só ter paciência para aceitar que a Espera ainda é Caminhar…Os outros também geram as suas tempestades e às vezes temos de aguardar que reconstruam o seu barco para chegarem até nós…Reconstruídos…
Aqui estou eu, ao leme, sob as Estrelas que me guiam esperando que a sua Luz verta no meu coração e que a Minha Rota seja revelada.
E se for sozinha que seja…Mas que seja Verdadeira.
IdoMind
about  fairy tales

julho 25, 2011

A dois desconhecidos

“E se um desconhecido de repente lhe oferecer flores?”
Ficava tudo tão cor-de-rosa cada vez que passava este anúncio. Nunca nenhum estranho me ofereceu flores. O que não me roubou a esperança. Acredito em tudo o que é maravilhosamente inesperado. Que nos vira ao contrário quando já só olhamos mas não Vemos. Conhecer um estranho pode ser, só por si, um maravilhoso presente. Mesmo que não traga flores à vista.
O planeta está a encolher mas as pessoas estão a afastar-se. Ficam tão longe, que se perdem de vista. Dispersam-se. Esquecem-se de gostar umas das outras. De se apreciarem. Optam por nadar à superfície receosas de mostrar a sua própria profundidade. Ninguém está interessado em conhecer ninguém. Traz problemas, exige tempo, tomadas de posição que ainda não somos capazes de tomar. Nem queremos. Falamos tanto mas dizemos muito pouco. Ou mesmo nada. Como convém.
Já fui assim, medrosa. Com medo de todos. De não gostarem de mim. Mantinha as minhas ideias apenas minhas, porque até nem eram grandes ideias. Eu não tinha nada de Grande, aliás…E com medo de ser pisada, mais de metade da minha vida foi passada escondida dos olhos do mundo. E dos meus...

A perda trouxe-me a valentia. Fiz-me visível. Fiz-me audaz o suficiente para entender, entendendo, que viver é uma bênção. E temos a obrigação de a viver bem. De ir para onde ela nos chama. Ou pedir-lhe que nos acompanhe no rumo que perpétuamente definirmos.


Hoje, e porque pressinto que morrerei de velhice, concedo-me o pequeno prazer de falar com toda a gente. Distribuo sorrisos, não guardo a simpatia só para os sei que a merecem, respondo sempre com gentileza sem pensar se vou acabar cortada aos pedaços nas traseiras de um carrinha ou ofendida por palavras menos educadas. Até porque é quem nos é mais próximo que mais mal nos faz…e que sabe com que palavras nos ofender.
Largaram-me há muito as preocupações sobre a impressão que vou causar ou não. E esforço-me por agradar apenas à cozinheira do sítio onde almoço porque ela mexe com a minha comida. Todos os cozinheiros são temperamentais e gostam que lhes agradem. Já que vou ingerir o fruto do trabalho dela prefiro que venha temperado de Amor.

Entendi ainda que só cresço na medida em que faço crescer. Para isso é preciso largar a mesa do canto, o dia semanal da limpeza, o telefonema obrigatório de domingo ou o almoço impreterível em casa dos pais, sogros e afins…
Eu adorava a minha professora da primária. Mas a professora Lurdes não tinha mais nada para me ensinar. Nem conseguia ainda que quisesse. Tive de largar a minha sala de aulas e aventurar-me no temível preparatório. O meu medo só foi superado pela ânsia de conhecimento. E foi assim que avancei. Todos nós só avançamos quando largamos as nossas salas de aulas e nos lançamos na aventura de conhecer outros professores. Aprender outras disciplinas. Chumbar. Tentar de novo. Desistir…Reconhecer as nossas limitações e inventar outros sonhos. Ser bem sucedido e voltar a largar. Satisfeitos connosco. Maiores. E a seguir, prosseguir…Assim, até ao fim.

Em cada estranho está o professor por reconhecer. O amigo por descobrir. O desconhecido é só o disfarce da Oportunidade. Da Nossa oportunidade de também nos re-conhecermos, descobrirmos e, prodigiosamente, avançarmos. Cuidado. É fácil protelar o degrau a seguir, mas não sai barato.
Eu prefiro o risco de uma má surpresa de vez em quando que uma vida pouco surpreendente.
Quero-a encantada de gente diferente, divertida ou nem por isso, inteligente ou bons a enganar, emocionais ou sovinas com as lágrimas, generosos ou a caminho disso... brancos, pretos ou nem uma coisa nem outra.
É na diversidade que desenho a minha individualidade. Que me escolho.E gosto de muitas opções. Amplas e variadas.
Mantenho a ânsia de conhecimento e só o tenho encontrado no que não conheço...
IdoMind
about movement

julho 18, 2011

Uma questão de espaço

Não vim para te tirar a vida mas para te mostrar que estás vivo. Ainda não chegaste onde escolheste chegar. Por isso levanta-te se faz favor desse buraco enfeitado em que te sepultaste. Estou aqui para te libertar do feitiço da terra. Soltar-te da prisão dos sentidos onde te iludes que és convidado. Cegaste à verdade e eu venho cegar todas as mentiras. Santa é a minha foice que limpa o campo para as novas sementes.


Aguardei a tua decisão. A que não tomaste. Mesmo quando a meio da tarde já não ansiavas pelo fim do dia para regressar a casa. E pensavas com enfado em quem lá encontrarias, desejando alguma paz, algum silêncio, em vez das exigências do costume, da ajuda obrigatória ao remo do barco, da renúncia tácita de ti a favor dos miúdos, da mulher, das responsabilidades… Preciso de te lembrar do teu desempenho no trabalho que já não suportavas? Parece-te bem, fazer mal o que nos é exigido? Para o que nos pagam. Dar pouco mais de razoável do excelente de que somos capazes? Desonrar um lugar que algures, alguém merece ocupar? Estar triste. Irrealizado. Num espaço que partilhas com outros…A tristeza envenena, sabes…

Apesar do estrangulamento, não deste uma folga à corda e mantiveste-te em bicos de pés, em cima do banco, equilibrando-te para não cair. Para aguentar. Só mais um bocado. Só mais um ano. Ou dois. Só até as crianças serem maiores, acabares de pagar o carro ou um golpe de sorte te salvar do sufoco que chamas viver. Aspirar bocados de ar não é respirar. Não é viver. É chamar por mim.
Aqui estou. Sou quem mais te ama e por isso quem mais dor te traz. É por Amor que te quero livre.
Não duvides disso na hora em que te vier buscar tudo. Não estou a roubar-te nada, apenas a devolver-te a Ti mesmo. Chora o que tiveres de chorar. Desespera. Mas pouco. Confia. Muito mais. Vai ao fundo se quiseres mas volta depressa. O lodo não é lugar para os homens.

Estamos todos a olhar por ti, mas é minha a Missão de visitar-te. Acordar-te dos sonos mais profundos. Recordar-te que não és o que tens. O que controlas e o que permites que te controle. Venho para acabar com que já acabou.
Eu sou a Morte que anuncia o Fim a favor doutro Principio.
Não me maldigas. Não me temas. Estou a cumprir a tua vontade e a levar-te mais perto do teu Propósito. Acredita em mim e prepara-te para o vem, agradecendo ao que foi.
É sempre melhor…
Acreditas?
IdoMind
about endings

julho 08, 2011

Ao falar com um Homem

Hoje escrevo para as mulheres. Todas. As que se queixam. As que aguentam. As que choram. As que fingem que não. As que se escondem para chorar e as que se escondem para viver. Escrevo para as mulheres que se demitem de ser mulheres e se perdem, acabando por não saber o que são. Ou o que querem ser…Escrevo para as resistentes que se dão aos pequenos luxos de serem sensíveis e demonstrá-lo, de esperarem que lhes abram a porta e se lhes dirijam com delicadeza porque são mulheres e as mulheres são delicadas.
O logro está em achar que não. Nós não somos pesos-pesado e não temos, não devemos, levantar nem carregar, as mesmas cargas que os homens. Temos outras, ajustadas às nossas medidas de Cinderelas. E benditas sejam as nossas cargas… São dons, na verdade. Ser mulher é ter dom.  E como todos os dons, completa-se com uma pequena parcela de maldição.
Mas oh mulheres - só somos malditas quando nos recusamos a ser sagradas. Nascemos para albergar. Para dar hospedagem à vida e depois largá-la. Em nós cabem dois. No começo e até ao fim...que vai para lá do nosso fim. Cuidando, nutrindo, vigiando. Que gloriosa missão. Não acham? Metade do peso e o dobro da vida…Eu acho. Glorioso e mágico!

O pecado? Negar a dádiva de ser mulher e vestir calças por baixo da pele. Que belo resultado conseguimos com a Igualdade. Firma-se a minha convicção de que quem inventou o feminismo foi um homem. Agora, não só fazemos o que sempre fizemos, como ainda o que eles fazem. E mais…E mais…E mais…até ser humanamente impossível fazer mais…de forma humana… Como o dia não tem género e tem as mesmas vinte e quatro horas para todos, falta então o tempo para acompanhar a vida a geramos. A paciência para amar quem escolhemos. A humildade para reconhecer que apesar de tudo, há em tudo, um gosto eterno a insatisfação…

E passamos a pular. De tentativa em tentativa. De comprimido em comprimido. De grito em grito e má disposição em má disposição. De noite em noite. De homem em homem. De cama em cama…os mesmos “depois eu ligo-te”, “ amanhã falamos” e “ tenho de ir” que vão envenenando a fé em coisas e pessoas bonitas. Lá vamos ficando menos mágicas e mais reais. Concretas como paredes.

Não os culpem. A responsabilidade é nossa. Vamos ser mulheres e assumi-lo. A autorização para o devasse vem de nós. Chega-se até a levar os formulários e indicar aos homens onde assinar. É sempre com grande tristeza que observo uma mulher armada em caçadora. Parece que nos tempos modernos, se mede o grau de modernidade das mulheres pelo número de experiências.E também parece que é mais moderno ser infeliz que ser verdadeira…consigo mesma.

Da maneira que vejo, ser Mulher é um assunto sério. Lindo, mas sério. Nós convidamos pessoas para dentro de nós. É isso que acontece quando oferecemos o nosso amor. O nosso corpo. Alguém entra dentro de nós. E deixa lá uma parte sua. Em nós, mulheres. É assim que vejo e é assim que sinto. 
Desenganem-se, não pretendo incitar uma legião de activistas pro-pudor, castidade e muito menos, Deus me livre, proclamar a abstinência como solução para os males do mundo. Apelo à consciência. Do que se faz. E com quem. Do que se diz. E a quem. Do que se quer. E com quem…

Apelo aos sonhos e à Nossa verdade. Feminina, leve, alva e mesclada de fragilidade. Apelo à dignidade. Falo à princesa que mora em cada mulher e apelo à sua nobreza…A carpete vermelha e os sapatos de cristal são um direito, mas que tem de ser conquistado…todos os dias, por nós - Mulheres.
IdoMind
About turning things around…for our own good

julho 07, 2011

Cláusulas Particulares

Faria por ti, tudo o que faria por mim. Com isso podes contar. Na realidade talvez até fizesse mais por ti do que faço por mim. Mas nem sempre estou atenta, focada, por cá…os meus pés gostam tanto da lua. Nem sempre ligo muito ao que se diz, às discussões que preenchem as necessidades individuais,  e tão prementes, de cada um de ter razão, de marcar uma posição, de obter um reconhecimento. Sou um balão sem atilho e desprendo-me com facilidade. Vejo tudo de longe. Quando vejo. É por isso que tens de me tocar no ombro e pedir-me os braços. Pousar a cabeça no meu colo obrigando-me a pousar por ti. Afinal o plano é manifestado para que nós nos manifestemos…
Farei igual. Calarei o medo e chamarei por ti mesmo sem saber se vais ouvir-me. Se queres. Darei o passo que falta para que a minha mão alcance a tua, mesmo sem saber se ainda falta muito. A que distância estás de mim. Se tens espaço…Farei por esquecer as lembranças do mal que guardo aqui, no arquivo das frustrações, das escolhas que podiam ter sido diferentes, das decisões incessantemente tardias, que feriram...Tanto.Nada disso entrará na nossa equação. Farei para assim seja.

Tens-me ao teu lado. Mantém-me cá. É fácil. Deixa-me ser. Evita tratar-te como barro ou plasticina colorida. Não tenho forma porque a cada momento me faço Eu. Estás a pensar que já entrei no modo lírico, derretido, até, pelo retoque poético que dou àquilo que sinto. Espero que ainda penses o mesmo quando descobrires que mais que palavras bonitas, é a verdade. Não tens e não terás o poder de me transformar. Só eu sei como funciono. Quando funciono. Se preciso mudar de pilhas. Ou de canal...
Olha o que te digo. É o mesmo que te direi lá para a frente. Se chegarmos lá à frente.
Sou lenta. Tenho de entender o meu lugar na vida para dizer à vida que lugar quero. E isto leva tempo. É o trabalho do Eremita caminhando a passos pequenos, à luz da sua lamparina oscilante. Ocupa-te de te entender a ti mesmo e despreocupa-te de me entender a mim. Até porque se entendesses eu já me teria desentendido. E tínhamos de começar de novo com metade da força. Da disposição. E do amor…

Não o permitas. Vamos divertir-nos enquanto amadurecemos. Tirar o melhor um do outro. E entregar o melhor um ao outro. Aceitar esse melhor agradecendo a oportunidade de ascender à perfeição. Às nuvens! Leva-me às nuvens…Diz que levas! Eu dou-te boleia até às estrelas. Aceita-me, por isso, aérea, despistada, tagarela, inquieta, curiosa…meio gente, meio outra coisa qualquer a esvoaçar por todo o lado. Eu valho a pena. Comigo irás sempre um bocadinho mais além, porque aqui é giro, mas… o que haverá ali?
Comigo não terás paz. Porém estarás em paz. Tenho para te dar a confiança que dispensa mentiras. O respeito que prescinde de desculpas. A brandura que tolera a diferença. Também podes contar com isso.
No fundo é só para te dizer:conta comigo para sermos felizes…
IdoMind
About doing it right or growing trying

julho 05, 2011

Parvos e Gigantes

No corredor de mármore ouviam-se apenas os passos dela. Firmes, determinados, batendo contra o chão no anúncio ruidoso de que estavam a chegar. E de que não vinham em paz. Olhámos todos. A aparência irrepreensível do costume. Cabelos domados, indumentária  muda, acessórios parcos e inexpressivos. Nada naquela mulher tem a marca daquela mulher. Nada permite adivinhar que de que género é, do que gosta ou sequer se gosta do que quer que seja.
Ela corta. É áspera. Há sabor a ácido nas suas palavras. Tem uma espécie de presença acutilante que nos faz recuar para evitar os picos.
Sem ser especialmente bonita, é atraente. Sabe disso. Usa-o a seu favor. Foi assim que manteve um emprego para o qual não estava minimamente talhada. Um casamento para o qual nunca esteve vocacionada. Uma vida que não queria mas que dava jeito ter. E agora o cheiro da pessoa que morreu dentro dela começava a notar-se…

Estávamos todos ali por ela. Recusou-se ao diálogo. Não propôs soluções e contestou todas as que lhe foram e são apresentadas. Inspirada certamente pelas vozes que saem à noite procurando quem as oiça, consegue ainda inventar mais um problema ou outro que, mais que enlouquecer, faz sofrer toda a gente.   
Passou por nós vomitando um bom dia que poderia arruinar com o nosso, não estivéssemos já imunizados contra a estupidez daquele ser. Ao vê-la afastar-se com desprezo pelas mesmas pessoas que mantinha reféns há alguns, dei por mim a desprezá-la também e pensei “ Não é má, é parva”. 
Era isso mesmo, ela gostava de ser parva! O objectivo daquela cabeça torpe era ser parva o bastante para ser diferente de todos os outros e assim conseguir a atenção que pessoas não tão parvas têm de fazer por merecer. Como era parva há muito, muito tempo confundiu esse estado triste de existência com a sua personalidade. Fez-se parva e apaixonou-se por essa imagem…

A vontade de lhe cuspir em cima, como se faz nos filmes e me parece sempre triunfante, foi substituída por um imenso sentimento de piedade. Ter de ser parva para dizer “Estou aqui” é trágico. Claro que ela já não tinha o discernimento para destrinçar quem era ela e quem era a parva. As duas estavam já demasiado fundidas para se distinguirem.

Caminhei na direcção dela. Foi o meu momento parvo…Não sabia o que lhe dizer mas sabia que havia algo a ser dito.
“Sim?” – perguntou-me no tom altivo a combinar com o cabelo arrumado. Pensei de novo na cuspidela. Sentei-me.
“Está tudo bem?” - perguntou-me, agora, com menos altivez e um toque a defesa- “ Tem alguma proposta, é?”
Continuei em silêncio porque continuava sem saber o que dizer.
Acabou por sentar-se ao meu lado.
“ Tem sido quem mais frieza tem mostrado e quem mais frente me tem feito. Sem sequer me dirigir a palavra. Somos parecidas. Estamos aqui e os outros todos ali. Bem longe de nós porque ainda que quisessem não saberiam e não conseguiriam alcançar-nos. Você fez isso comigo durante todo este processo, manteve-me longe de si frisando bem essa distância. Isso irrita-me, mas é a única por quem tenho alguma consideração.Tão jovem e tão forte. Penso em si como uma barragem.”
“E eu penso em si como o Gigante.”- disse eu por fim.
“O gigante?”
“ Sim."
Em miúda deram-me um livro sobre um gigante que adorava tudo o que era belo. Era um gigante muito sensível…Como no castelo já não havia mais que embelezar começou a plantar um jardim. Trabalhou, trabalhou, trabalhou e o jardim ficou tão lindo que Deus teria vergonha do Éden. Começaram a vir as borboletas, os pássaros e outros animais da floresta atraídos pelo cheirinho das flores e pela beleza daquele jardim. Começaram também a vir as crianças da aldeia…brincavam e rebolavam na relva. Riam. Estavam felizes por puderem ter um lugar tão maravilhoso para brincar.
O gigante, pouco habituado a companhia e muito menos a partilhar, decidiu construir um muro muito alto à volta de todo o jardim para que nem as borboletas, nem os pássaros, nem as crianças pudessem lá entrar.
E assim foi. O Verão passou. O Outono também. O Inverno. A solidão é sempre mais solitária no Inverno. O gigante começava a sentir saudades do barulho, das gargalhadas, dos desafios vocais entre os passarinhos.Veio a Primavera e o gigante convenceu-se que a melancolia daria lugar à alegria de ver o seu jardim de novo coberto de flores. Mas o jardim não floriu. O muro era tão alto que nem mesmo o Sol conseguia entrar.
O gigante olhou e tudo o que viu foi escuridão…dentro e fora de si.
Destruiu o muro até à última pedra.
A força da Primavera operou o seu milagre.O Gigante fez o resto – organizou uma festa e convidou toda a aldeia. Pediu a cada convidado que trouxesse sementes da sua flor favorita para que no ano seguinte houvesse um bocado de cada um no seu jardim…”

Ficámos caladas. Não olhei para ela. Estou certa que a veria descomposta, talvez mesmo emocionada e aquela gigante ainda não estava pronta para partir a última pedra. Todos temos os nossos tempos. Respeitei o dela.
Levantei-me sem olhar para trás.
O processo foi suspenso a fim de chegarmos a um acordo. 
Enquanto isso pergunto-me que parvoíce é a minha…
IdoMind
About rocks
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