“Deve ser assim que as pessoas morrem afogadas perto da margem – de cansaço. De tanto esbracejar para se manterem à tona. São anos a esbracejar. A espernear. A Abraçar. A falar. Já não aguento mais. Acredita se lhe disser que nem força tenho para me zangar? De repente já não há zanga. Não há nada.”
E continuou. Percebi que estava a falar para ela própria e quando falamos alto para nos ouvir-nos não devemos ser interrompidos. Não a interrompi.
“Sabe, aproveitei para tirar a manhã e vim a pé. Passei por ali, junto à praia do Algodio. Gosto da Ericeira quando o tempo arrefece e todos vão embora. Era isso que no fundo eu gostava, que fossem todos embora. Nem que fosse só por uns tempos. Talvez o tempo que fosse preciso para eu sentir qualquer coisa. Saudades ou alívio. Qualquer coisa que me fizesse perceber como é que estou bem. Em paz. Ocorreu-me que a minha vida seria melhor sem dependências. Sem vínculos. Olho para mim e vejo fios por todos os lados. Todos os movimentos estão condicionados pelos fios que teci e que deixei que me enredassem. Sinto-me enredada. E sinto-me mal por me sentir assim. Afinal é a minha teia”
Sorri. Ambas percebemos que ser mulher é nunca parar de sentir. E ambas percebemos que quando deixa de haver festa no nosso coração, a cabeça vem pôr a casa em ordem. Ou pelo menos tentar.
“Hoje em dia tornou-se comum pensar em nós primeiro. Eu ainda sou do tempo em que o sentido de responsabilidade calava os pequenos desejos que vêm e vão em determinadas alturas da nossa vida. Que o bem-estar do outros era importante. Eu ainda sou do tempo dos compromissos…”
A cabeça estava a fazer um bom trabalho. Ao lembrar-se de todos os motivos honrosos que a levavam a manter-se enredada, a infelicidade tornava-se mais tolerável.
Olhou para mim. De repente tinha sete anos e estava a pedir a um adulto que lhe ensinasse o que é bom e o que é mau. Quase a ouvi a dizer “ por favor diga que isto vai passar, que é normal ter dúvidas, que a vida é feita de altos e baixos ou qualquer outra daquelas frases feitas, que acalme este motim no meu peito. Diga-me que uma boa pessoa abdica de si pelos outros”.
“ Somos todos do tempo do medo.” - foi a resposta que consegui dar-lhe porque é a resposta em que acredito.
“ Por temermos tanto a perda acabamos por nos perder. E muitas vezes afastamos-nos tanto, tanto, tanto de nós que nunca mais conseguimos voltar.
Não tenho nenhuma fórmula secreta infalível para fazer sempre as escolhas certas e o que posso partilhar consigo é que todas as suas decisões sejam reflexo da sua mais profunda verdade. Seja honesta consigo e nada poderá ser perdido. Nem nada deverá ser temido…
E se tiver de esperar que as nuvens se afastem para ver melhor o horizonte, espere. E se tiver de pedir a todos que vão embora para se sentir, para se perceber, peça. Por si e por eles.
Onde há amor há compreensão. Sempre…”
E foi assim que começou o meu dia de trabalho. Esta semana vai longa!
IdoMind
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