março 29, 2011

Quem tem rabinho...

Medo aproveita este teu tempo. Acordaste forte. Parece que andaste a amealhar todas as migalhas que fomos atirando para a tua cova. Esse poço escavado na terra onde as lágrimas do desespero te matam a sede e as pequenas rendições de todos os dias te entregam a vitória. A esperança, essa, levas como despojo. És hoje o dono e o senhor do coração dos Homens. Estás no comando a ordenar-lhe que recue. Ou que atropele. Que pense só em si. Nos que tem lá em casa. Que se preserve. E se guarde fechadinho na sua Arca esperando que ninguém lhe bata aos portões. Pode ser que saiba nadar e não seja levado pelas águas… nem morra afogado.
Medo, estás a fazer do Homem de novo um bicho a rastejar. Mas agora para dentro do charco…

Ficou tão caro chegar aqui. Todas as mortes que nos levaram à defesa de cada vida. Toda a violência que nos fez querer a paz. E respeitá-la. Todo o domínio, injustificado, perverso e corrupto, que nos empurrou, mais cedo ou mais tarde, para a liberdade. Fizemos dos princípios Lei e a nossa Essência viu-se espelhada no reconhecimento da dignidade da pessoa humana como um valor inviolável e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária como um objectivo fundamental. Atravessámos a escravatura para isso. Genocídios embaraçantes. A tirania. Uma história escrita a sangue pelo punho do poder e da ignorância. Todos consentimos. Todos estivemos de um lado e do outro. Hasteando as nossas razões fugazes, para logo a seguir saltitar para outra razão, mais razoável, que voltámos a hastear.
Estivemos nisto tudo juntos. A única coisa que alguém consegue fazer sozinho é morrer…

Ainda estamos juntos nisto. E ainda consentimos tantas coisas. É o medo a mandar-nos estar calados. Quietos. Omissos nos nossos deveres disto de Ser-Humano.
Talvez daqui a uma mão cheia de anos seja tão natural dividir a nossa abundância com os outros como é hoje dar um emprego a uma pessoa de cor, permitir que as mulheres votem ou que alguém desfavorecido estude e possa ser advogado, médico ou engenheiro. Talvez um dia seja impensável ignorar a fome de uma criança, a solidão de um velho, o sofrimento atroz da pessoa ao lado. Talvez um dia a Lei também preveja como nosso dever e como nosso direito Ser melhor.

Onde quer que estivesse na altura, ficaria muito feliz ao ler uma IdoMind qualquer a divagar sobre um tempo em que algumas pessoas acreditavam que podiam estar bem mesmo se houvessem muitas outras que estivessem mal. Uma época de trevas, governada pelo medo, em que se julgavam separadas umas das outras e independentes do Destino que as une.
Sorrio ao imaginar-me numa versão futurista, com um fato prateado num jardim holográfico a escrever com o pensamento, incrédula, sobre uma altura em que foi preciso o colapso dos pilares de uma sociedade oca e disfuncional para que cada um se mostrasse parte do todo e decidisse contribuir de forma diferente. Eu no futuro, a escrever sobre a construção das escadas do Caminho Ascendente, feitas das ruínas do que já não servia o nosso propósito Maior.
Espero escrever sobre a valentia do Homem que apesar da dor, das perdas, das noites mal dormidas se fez gigante e venceu o medo. Sobre o Homem, finalmente, a compreender-se mais que os que os lírios do campo…
IdoMind
About rought crossings

março 25, 2011

Vamos nessa, Vanessa?

(foto de Shin-Tau)

Preciso de falar contigo. Agora. Convidas-me a visitar-te? Esperas por mim à entrada e mostras-me os cantos da tua casa? Gostava que me deixasses conhecer-te. Acho que merecemos. Tenho um só pedido. Tira a armadura se faz favor. Também aqui vou deixar a minha. E vamos os dois, desarmados, travar a grande batalha - o resgate de nós mesmos.

Depõe aqui as atitudes hoje-não-que-quero-estar-sozinho, quando não queres; as palavras-punhal que arremessas para ferir quando tu próprio sangras, a indiferença pensada que encenas para ver se ainda está lá alguém… com atenção a ti. Depõe aqui o sarcasmo-escudo, a seriedade falsificada, o orgulho que embrutece. Depõe aqui o que te mantém aqui. Ainda nem sabes onde pertences e defendes esses metros quadrados como se morresses sem eles.
Olha para a frente. Para lá do horizonte cravado nos teus olhos pode haver uma ponte. Feita de estrelas, de coincidências, de sinais a lembrar-te que és infinito. E que é para lá que te diriges. “To Infinity and Beyond”! Brinca. Ainda sabes como se faz?

Se eu te chamar para jogar às escondidas, vens? Ou ao lencinho. À apanhada! És capaz? Tiras a gravata e vais no meu encalço? Escondes-te no armário e ficas à esperas que eu te descubra? E depois corremos os dois a ver quem chega primeiro. Fazes batota e eu deixo-te ganhar porque sou mulher e a minha vitória reside na tua gargalhada. Estou a falar muito a sério. Vês-te na brincadeira comigo? Despreocupado. Leve. Feliz… porque é tão bom o quentinho do Sol, o cheiro dos bebes, dar beijos, aquela música que enche o espaço...

Eu só sei brincar. Eu só sei Rir. Eu só me sei descobrir em todas as coisas. Levar e deixar o que me é concedido com tanta generosidade. Eu só sei retribuir por estar viva. Nasci para me amar em tudo. E para me divertir no processo. É para isso que aqui estou. E tu também. Se tropeçasse numa lamparina, pedia ao génio um tapete mágico para ti. Para que te sobrevoasses. Para que te elevasses acima de cada momento. De cada parte de ti que se encontra contigo a pedir-te uma decisão. Tu, no teu tapete mágico movido a alegria, a seres muitos. A perceber que ninguém é além de ti. Que ninguém está sozinho. Que ninguém é mau. Frio. Com a mania. Incompreensivo ou inflexível. Cada um veste uma armadura diferente. Só isso. 
Convida-te para casa deles. Diz-lhes que não vais estragar nada. E não estragues mesmo. Pisa com meiguice o soalho vizinho porque pode ranger, de tanto desgaste, até ao passo mais suave.

Se quiseres dou-te boleia na minha carpete. Claro, carpete! Um tapete não me chega. Gosto de companhia. De andar por aí a exibir a Beleza disto tudo. De espalhar os pós pirlimpimpim cor-de-rosa choque ou azul-céu que trago sempre numa bolsinha junto ao coração. Adoro passar em voo raso, esticar a mão e agarrar os prevenidos. Os imunizados ao sonho, à esperança, ao desejo que não tem rédeas. Enlaçar com energia os asmáticos que respiram a experiência aos bocadinhos e com cuidado. Puxá-los para a carpete e levá-los a tomar um chá na Terra do Nunca. Trazer os doentes a arejar. Aqueles que acreditam que não há nada a fazer. Que a sua cura vai adoecer outros. Ou que será tão sofrida que preferem morrer devagar. Sentados numa cadeira ou prostrados diante de uma vida que nem para eles já faz sentido.
Eu escolho celebrar a existência. Anda comigo, sem armas, dizer-lhe obrigado. 
Por tudo…
IdoMind
about the ficcion 

março 18, 2011

Da Brisa para o Ciclone


Queres exemplos. Está bem. Até porque me é mais fácil ser concreta. Arrumada. Com as atitudes e respectivas reacções devidamente catalogadas. Vim ao arquivo para atender ao teu pedido. Espero que os ficheiros que escolhi, te sejam úteis. Sabes que a minha história tem sido emocionante. Estranha, dirás tu. Talvez. Mas olha o que fez de mim. Uma jardineira! Um touro aviador a saltitar de nuvem em nuvem. Sem se importar com a altura, a distancia ou com o dinheiro que tem no bolso para voltar.

Não sei se fiz sempre tudo bem. Não devo ter feito porque chorei muitas vezes. Fiquei sem dormir outras tantas. E andei à luta com sentimentos pouco bonitos dias e dias até decidir como queria encerrar o combate. Tive tão pouco orgulho nalgumas decisões. Cujo custo paguei, não muito depois, sem refilar. Sem -porque é que isto me está a acontecer- e, definitivamente, sem desconto. O preço certo. No saldo da nossa vida não há regateio. Paga-se e recebe-se na justa medida do que dá. Mas isto tu sabes. Queres é exemplos.

Por exemplo, não gosto de toda a gente. E então? Tenho de gostar? Porquê? Se queres saber, não perco grande tempo a pensar porque não sou Jesus mas mais a sê-lo. Onde não sou santa sou honesta. Sou íntegra. Sou eu…Não me parece correcto fazer um esforço para estar com quem não quero ou não gosto ou não me diz nada. Eu não gostaria que alguém se esforçasse para estar comigo se não quisesse, se não gostasse de mim ou se lhe fosse indiferente. Já pensaste nisso, alguém estar contigo por favor. Porque tem de ser…
Nem pensar! Comigo tudo é para ser autêntico porque tudo é Único. Só tenho esta vida para viver. Este tempo para desfrutar. Estas pessoas para conhecer. E amar. Ou não.

Tenho-me apercebido que quanto mais esforço fazes mais vais ter de te esforçar. Seja no que for. Com quem for. O grau de exigência vai crescendo. Na paciência que tens de produzir. Nas cedências que tens de te convencer que valem a pena. Na anulação de ti que hipotecas por um bem que achas maior. E um dia vais ter de dar um grito. Nesse dia vais ouvir “ passou-se”, "não tomou os medicamentos”,“ deve andar com problemas em casa”. E é legítimo que o digam, porque até te andavas a esforçar tão bem. A enganar-TE tão bem…
O meu farol é a minha felicidade. Se fico feliz, se há uma paz-gato enroscada no meu peito sossegada, é porque está tudo bem. Geralmente, só se vai embora quando vem a dúvida-gata arranhar-me a cabeça. Enquanto não sei que decisão tomar sou uma arena com a plateia lotada...

As decisões, essas, tomo-as assim: “ IdoMind Maria, se fosses perfeita o que farias diante disto?”
E é aqui que nós divergimos, porque eu acredito que pode morar toda a perfeição num não redondinho. Dito com firmeza. Muito mais que num assentir cobardolas. Ah, desculpa! Queria dizer num sim politicamente correcto. O problema é que alguns problemas só se resolvem com um murro na mesa. E abençoada a coragem para dá-lo! Ser instrumento de Deus é muitas vezes ser uma vassoura…
Também temo consequências. Mas temo muito mais ficar dependente de anti-depressivos. De me esquecer de quem sou. De adormecer a Minha Verdade para aceitar a Vontade dos outros.

Tudo se resume à tua Verdade.

Falo tanto dela porque quanto mais ando, mais constato que sem a Minha Verdade não saio do lugar.
Por isso, em casa, a Tua Verdade. 
No trabalho, a tua Verdade. 
Na amizade, no amor, nas companhias, na religião, na tua boca, nos teus actos – a Tua Verdade.
Ainda que rigorosa. Pouco disposta a desmazelos. Apressada. Ainda que impulsiva temperada de rispidez. E quem não precisa de vez em quando de um bom impulso ríspido?
A Tua Verdade, secular e profunda, a gostar do que é sólido. Verdadeiro…
O que não toleras são as máscaras, ainda não percebeste? O lobo que vem vestido de cordeiro. Não é que não gostes de lobos. Não gostas é de fingimentos…
Feiticeira, varre o teu círculo das inverdades porque a tua Magia está na tua Limpidez.
Mantém-a. Exige-a.
IdoMind
about a certain kid with troubles with diplomacy

março 17, 2011

"A borboleta é a larva com uma atitude positiva"

Apesar de tudo continuas a mandar-me este Sol. Dias como o de hoje que apagam a memória da chuva e do frio das semanas anteriores. Que me fazem acreditar de novo no fim dos Invernos. E da severidade que ensina a todos os caminhantes a importância das cavernas. Eu gosto de cavernas. De limpar os pés da terra agarrada aos sapatos e aninhar-me no ventre de cada etapa. Gosto da ausência do que me distrai do Apelo. E de deixar do lado de fora o barulho de cá de fora. Todos os ruídos que vão ensurdecendo a minha pobre alma, já aos gritos, a dizer-me que está ali. Eu própria falo muito. Quero participar da festa e berro como os outros pelo meu lugar. Sem verdadeiramente o querer, a festa ou o lugar. Nem precisar. Sabendo-o. Não Sou demitida do Mundo e às vezes aceito as suas regras. Como esta, do barulho. Por isso, cansada e rouca, agradeço a existência de cavernas e do seu silêncio…

"A perfect spot" de Cutteroz

Dos encontros que por lá tenho. Com os espíritos do passado e futuro que invoco para perceber, e quantas vezes justificar, um presente que não me apetece tão merecido. Na caverna, o presente obeso às minhas cavalitas faz dieta. E perde peso até caber em mim como um vestido levezinho. Como custa controlar a vontade de comer da culpa e da falta de amor por mim. Do medo de não pertencer a lado nenhum. A ninguém. Com ninguém. De não ser entendida. Ou mal entendida. De ser entendida perfeitamente e ainda assim não estar satisfeita. Sem saber porquê. E lá vai mais uma colherada de açoites, goela abaixo até ao estômago…
A caverna convida ao jejum. Só se faz ouvir aos desintoxicados. De outro modo tudo o que se sente é fome. A purificação exige privação. Quanto menos me alimento dos frutos que não são da minha árvore, mais me dou conta que não me agradeço o suficiente. Nem ao meu corpo, lindo e resistente, que me acompanha na aventura. Sou má para mim. Castigo-me. Vou pelas veredas mais difíceis só para doer, só para custar, só para, frequentemente, não conseguir. Para partir a cabeça a sério e ficar contente com isso. Como se na dor se escondesse uma espécie de redenção. Gosto de me sacrificar... E depois permanecer até beirar o martírio. Desvio-me da Oportunidade que me cai ao colo porque não mereço ser feliz…Oh minha rica caverna quanta lucidez desencubro na tua imparcialidade!

Dentro de ti, com espaço só para mim, não entram ele, ela, eles, elas, vós, nem nós porque apenas EU estou aqui. Eu e as minhas escolhas. Eu e os resultados. Eu e o próximo passo.
Sou senhora de mim, só a mim me devo obediência. Só para comigo tenho deveres. Só eu me ordeno ao que quer que seja. E posso partir. Morar onde quiser. Ter outra vista. Ou restaurar a minha casa. Eu tenho o poder de Me mudar. É por isso impossível magoarem-me. Humilharem-me. Prejudicarem-me. De algum modo infligirem-me um mal. Não há nada que ele, ela, eles, elas, vós ou nós possam fazer-me que eu não queira que me façam. Nada que possam dizer que eu não queira ouvir. Não me aparecem sem que eu os tenha chamado. E não são exactamente como são se EU  não precisasse deles assim. Vieram todos ajudar-me no meu Trabalho. E eu retribuo ajudando no deles e no nosso. A vida é uma elaborada co-laboração. 
Nesta caverna, de lamparina na mão, confrontei a minha sombra. Vejo-a desvanecer-se à medida que outra Primavera desponta em mim, pintando de luz o útero de onde renasço. Renovada, despeço-me até ao próximo Inverno da jornada.
Que bom ser uma mulher das cavernas para ser uma mulher em evolução…

IdoMind
about refreshing

março 11, 2011

Peace of Cake

Como é que eu faço? Se queres mesmo saber, exige somente vontade. Parar. 
O tempo. A raiva. A auto-comiseração. As emoções anãs. O medo…
Parar. Antes daquela palavra, parar. Antes daquele gesto, parar. Naquele pensamento, parar. E ficar, assim, parada até vir a certeza que estou a ser eu a dar o meu melhor. Que estou a reflectir todas as cores da minha alma. Que Sou Deus a espalhar amor. O Sol em explosões de Luz e de Calor. Que sou Arquitecta com as mãos na Obra. A voz doce que acorda. A verdade. Mesmo a difícil de aceitar. E se calhar, sobretudo essa.

Exige a intenção bem acordada de Ser todas as coisas. O rigor que o caminho impõe, porque certas portas só se abrem quando certas portas são encerradas. De vez ou só por algum tempo. O discernimento para distinguir umas de outras. A humildade para voltar atrás quando percebo que me enganei. Um ou vários pedidos de desculpas.
Exige disposição para recomeços. A flexibilidade para entrar por uma janela. E paciência. Primeiro comigo. É dentro de mim que começa o granjeio das flores que espero desabrochar nos outros.
Tenho dias. E depois tenho aqueles dias…é assim que a Vida mostra que quer mais de mim. E então sorrio. Amorosamente respeitando-me. Sem pressas. Se a minha escolha ainda não é sublime, paro. E sorrio outra vez porque descobri a Sabedoria…

Todos os dias começam então com sorrisos. Com o ouvir a manhã a pedir-me para nascer de novo. Porque posso. A morte e a vida pertencem-me. Sou princípio sem fim. Sou Agora sem antes nem depois. Eu sou a aliança do Tudo. Eu sou casada com o mundo.
É com responsabilidade que assumo esta União.
Por isso paro muito mais…
Pergunto-me muito mais…
Observo-me muito mais…
E transformo-me.
Se conseguires fazer o mesmo, toda a Terra e todo o Céu se encherão de homens com asas. Homens-anjo. A poisar em galhos e nas estrelas. Aqui e lá, levando e trazendo, a Essência de toda a Vida.  

É assim que eu faço, paro a minha humanidade quando chega solteira. Egoísta e de alguma forma magoada. Ou divorciada da claridade que me faz cintilar. Peço-lhe, com carinho, que sinta as penas no coração e se deixe elevar rumo ao Alto.
É assim que eu faço, vigio-me…
IdoMind
About uncovering the diamond

março 03, 2011

Passado a quanto me obrigas a obrigar

Se eu viesse limpinha não me assustavas tanto. Terias graça. Serias a graça. A prenda pedida há tantas orações atrás. Em tantas noites de Inverno. E eu seria criança, a delirar com cada rasgo do papel de embrulho. Sem saber o que está na caixa e feliz com isso porque fosse o que fosse e como fosse, seria bom.
Viveria a alegria inofensiva da descoberta de ti. Dos detalhes que te compõem. Carregava nos botões todos para ver o que faziam. Esticava as mãos e tocava-te. Sem medo de partir, de ferir, de estragar. Se eu viesse limpinha ia brincar contigo sem medo de cair… 
Até podíamos correr! Ir para longe de casa. Deixar os lugares seguros e entrar pelo mundo adentro. Deixar um “dupla maravilha esteve aqui” escrito numa árvore ou numa pedra qualquer.
Se eu viesse limpinha dava-te a mão confiando que não a largarias. Que não me deixarias sozinha e perdida num lugar escuro, algures. Fazíamos tudo num dia. E se houvesse o dia a seguir, sorriamos para o Sol e dizíamos obrigado por podermos brincar de novo.

Mas não venho limpinha. 


Já tive de procurar a luz e depois acendê-la para sair das cavernas onde de repente me vi abandonada. Já tive de fazer o caminho de volta sem mapa. Já perdi as asas e regressei a pé. Já demorei muito a tratar alguns ferimentos. Já me esfolei toda e tive de ficar de cama. Sei ao que sabe o vazio que vai ocupando o espaço antes preenchido pelas mensagens matinais, os convites atrevidos a meio da tarde e os beijos demorados que obrigavam a ir depressa para o carro. Sei muito sobre cansaço. Impaciência. Nãos. Estúpidos e sem razão. Apenas cansados. Porque não apetece. Porque é tarde. Porque é cedo. Porque chove. Porque está muito calor. Até que me canso…

Venho suja e cansada.

Venho cheia de memórias de chãos cobertos de cacos. De os pisar. Passar por cima deles ouvindo o estilhaçar de corações mais frágeis que o meu. E que eu não cuidei. Nem lidei com o cuidado requerido. Lembro-me de ter sido egoísta e feito só à minha maneira. De não me ter esforçado porque não era preciso, alguém fazia a força por dois. Trago palavras proibidas. As que causaram zanga. Olhares de reprovação. Alguns “ és incrível” e várias horas frente ao mar a duvidar de mim. Lembro-me de não ter jeito para fazer o jeito. E de me sentir desajeitada.
Se eu viesse limpinha vestia-te. Tu sentias a minha pele e eu sentia o teu toque. Tu percebias como sou delicada e eu percebia que és suave. Tu vias porque tenho medo e eu via que nada há a temer.
Se eu viesse limpinha não estava aqui a escrever. Estava aí a dizer-te…
IdoMind

about the future more than certain
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