abril 17, 2012

Parágrafo

Havia um homem que podia tudo. O que queria obtinha. O que sonhava concretizava. O que pedia aparecia-lhe quase do ar. Não tinha explicação para o facto, só uma vida desobstruída por pura sorte. É claro que não equacionava o seu êxito nestes termos. Limitava-se a fazer como o resto das pessoas e levantava-se, trabalhava, comia, dormia… No final do dia o resultado era invariável: perfeito.

Mas este homem que podia tudo tinha vergonha da sua dávida. Não exibia o menor orgulho em obter sem esforço o que outros perdiam noites a preparar, que derretiam velas a suplicar. Ele nunca tinha acendido nenhuma e no entanto, se essa fosse a moeda de troca dos desejos, era como se o pavio da vela acesa quando nasceu, fosse inapagável. Encontrou na mediocridade a forma de compensar a indignidade da sua boa fortuna. Sim, sentia-se indigno. O mínimo que podia fazer era minimizar-se. Reduzir as suas acções às indispensáveis a manter o frágil equilíbrio entre ser ignorado e temido. Aprendera a fazer-se ignorar. Não era difícil, sobretudo quando havia fila para os lugares dos pódios premiados a medalhas de uma proeminência qualquer e regalias salariais. Cedia o direito à participação na corrida sempre que conseguia, sem levantar suspeitas, garantir a imagem que criara a partir da cadeira. Para si era justo que assim fosse. Deixar os outros correr, perder as suas noites e acender as suas velas. A pouca tranquilidade que tinha era esta - poder não fazer nada por si.

Entre as alternativas disponíveis escolhia a mais baixinha, como aconteceu com o gabinete. Podia ter ficado com o maior ao fundo do corredor mas pediu o que asfixiava junto ao elevador. Perante a surpresa, expectável, dos colaboradores rapidamente inventou uma dor crónica nos joelhos que a deslocação diária até ao gabinete mais afastado iria agravar. Mas até punir-se parecia uma tarefa impossível já que o seu gesto foi considerado de tamanha modéstia que obteve a simpatia generalizada do escritório, assegurando-lhe café fresco pela manhã, uma casa de banho transformada em privativa, como compensação, e uma citação fixada atrás da porta, com um penso rápido colorido e diferente todos os dias, por uma admiradora secreta. Assinava LL.

Os seus superiores, orientados por princípios diferentes, consideravam a humildade no caso do homem que podia tudo, um desperdício. Recusara o cargo que lhe foi proposto e no qual teria feito diferença, atenta a capacidade invulgar de casar com equidade interesses divergentes, obtendo acordos tão originais quanto surpreendentes. Depois dos primeiros acordos, que conseguira resolver com duas singelas reuniões, os seus chefes deixaram de tentar perceber a estratégia comercial, ou outra, ou sequer se havia estratégia, conducente à formalização das parcerias que se iam somando, passando a atribuir-lhe apenas as situações mais delicadas. Deixaram também de tentar perceber porque preferia manter-se na penumbra dos triunfos nos quais o seu contributo havia sido determinante. 

Chegaram a recorrer a informação privilegiada e sigilosa do homem que podia tudo, vasculhando-lhe secreta e prudentemente o passado. Assim como o registo criminal, já que andar fugido da justiça afigurava-se a razão plausível para tanta discrição. Não encontraram nada além de um percurso tão normal que chegou a deprimir o sócio maioritário, fã de teorias da conspiração rocambolescas, alimentadas por personagens de fazer inveja ao óbvio e ganancioso mordomo, afinal ressentido filho bastardo, ou a míuda gorda da terceira classe entretanto crescida, magra e avinagrada pelo ódio (ou pelas dietas).

Nada. Nada de excepcional Nada de anormal. Nada de ilegal. Um tédio. O homem que podia tudo permaneceu um mistério.Talvez fosse só tímido. Não lhes ocorreu, por ser tão fantástico como as fadas dos dentes, e igualmente ingénuo, que há pessoas sem ambição. Pessoas numa relação pacata e estável com o mediano desde que suficiente. A quem não desassossega e não seduz o cargo mais cobiçado, holofotes sobre a cabeça e toda a espécie de excentricidades que a perda de respeito pelo dinheiro, por haver em excesso, possibilita. Escapou-se-lhes aquela percentagem da gente na base da pirâmide e que, salvo um pico ou outro de desvario emocional, estão bem consigo na vida que aceitam proporcional às suas capacidades e aos limites dos esforços que estão dispostos a empreender. Era isso, o homem que podia tudo não era ambicioso. Ao fim de tantos anos aos serviço da companhia não havia notícia de ter tentado trapacear alguém, valer-se da sua competência para passar três degraus de uma só vez ou de qualquer outra atitude que indiciasse intenções veladas de ameaçar, em benefício próprio, a ordem estabelecida. 

Com esta conduta reservada e de bastidores, constituía um trunfo a ter à mão, de modo que a sua presença era solicitada, quer em assembleias, quer em reuniões, nas quais a importância dos assuntos na dinâmica e nos destinos da sociedade requeresse um parecer isento e inteligente. A sua neutralidade, a par da recusa sistemática à sua fatia do bolo, valera-lhe o apreço sólido dos sócios. A sorte de novo…
A sorte não o acompanhava, perseguia-o. Apesar das diversas manobras, não havia como a despistar.

O homem que podia tudo estava cansado de não sonhar com nada.

IdoMind
about  weirdness


Para quem quiser cantar:
I keep my head uptight
I make my plans at night
And I don't sleep I don't sleep I don't sleep 'til it's light
Something's flowing, someone buried alive
There is an awful sound
This haunted town
And it will not it will not it will not just be quiet
Some ghosts sing. Someone get called to the life

Spend boring hours in the office tower
In a bus on a bus back home to you and
That's fine I'm barely alive
It's just a matter of time
No one gets out alive
And I'm content I'm content I'm content to be quiet
It's only six. Someone get called to the life

You know our hearts beat time out very slowly
You know our hearts beat time
They're waiting for something that'll never arrive

I keep my head on tight
I make my plans at night
And I don't sleep I don't sleep I don't sleep 'til it's light
Pulse flowing, someone buried alive
And if that head opens we built a life of work
Where we're chain chain chain chain, chained to the life
But that's fine, our blood is alive

You know our hearts beat time out very slowly
You know our hearts beat time
They're waiting for something that'll never arrive

2 comentários:

Marcia Toito disse...

DNA DE BOA SORTE ON!!!! MÁ SORTE OFF???

SERÁ????ESSE CARA QUE TEM TUDO NÃO É FELIZ COM O QUE TEM, ENTÃO NÃO TEM NADA!!!!

Marcia Toito disse...

É AZARADO BEM SUCEDIDO, SÓ ISSO!!!

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