junho 02, 2010

Estava eu tão sossegada!

Acabei de receber um pedido de ajuda por fax .
Alguém a narrar os seus infortúnios junto da Banca e das Finanças que conduziram à penhora do vencimento e da sua habitação. Alguém que desabafa que já não tem o que dar de comer aos filhos.
Não conheço a pessoa.
Explica que está a enviar este SOS para escritórios e empresas, reconhecendo que não tem vergonha de dizer que precisa de ajuda. O desespero engoliu o orgulho.
Pede-me 1 Euro.
Fiquei a olhar para o fax. Na parte final, senti a honestidade angustiante de quem já nada tem a perder e tenta, o que provavelmente nunca lhe havia passado pela cabeça,  expor a sua miséria. E esperar que alguém responda ao grito.
Pode ser logro. Pode ser mentira. Pode ser oportunismo.
Pode não ser.
E aqui fico eu, a tentar perceber que escolha me está a ser pedida.

As voltas que obrigámos o Universo a dar para que paremos. A vida que foi já não pode ser mais. Descurámos do essencial tão distraídos que ficámos com o supérfluo. A alma foi esvaziando à medida que enchemos os nossos frigoríficos com comida que deixamos passar de prazo.  Levámos o coração à fome para alimentar um vaidade fútil. Insaciável. Como ficámos pequenos nas nossas manias egoístas da uma grandeza oca.Tornámos-nos surdos uns aos outros ouvindo só aqueles e aquilo encaixável na nossa realidade de faz-de-contas.
Afogados na nossa fartura nem vimos que mesmo ali ao lado havia uma mulher com dois empregos...
Deixámos de nos preocupar com tudo excepto connosco. Até quando Damos pedimos factura para o IRS.
Guiados pela ambição, os pais abandonaram os filhos. Para lhes dar o melhor, deixaram de lhes Amor. E agora temos crianças que não sabem amar. E tão pouco sabem ser amadas. Não deixam. Negámos o dever sagrado de segurar as mãos das crianças. Aprenderam por isso a andar sozinhas.
Que esperávamos? Que confiassem? Que crescessem fortes? Seguras? Pois se não sabem quem são. Inventámos uma nova categoria de paternidade – Monoparentalidade. O nome é tão assustador quanto as suas consequências. Que estamos a receber.
E também temos agora uma nova categoria de Filhos – os Filhos de Fim-de-Semana. Criámos uma geração de crianças sem norte. Sem Pais. Mas com muitos brinquedos e roupa de marca. E ensinamos-lhes o que é competir logo no infantário…

Porque nos afastámos demasiado, estamos a ser forçados a fazer o regresso. Então a vida está a encarregar-se de nos nivelar. De nos trazer de volta a Nós. Perdemos-nos na viagem. Encantámos-nos tanto tanto com o fogo de artificio que não vimos a Terra a rachar ao meio. E lançámos mais umas canas. Para entretenimento, enquanto a dor de muitos era abafada pelo barulho da nossa festa particular.
Calou-se o ruído. Acabou-se o conforto do emprego estável e ordenado certo que nos mantinha na mediocridade de fazer só o necessário. Nunca mais. Nunca melhor. Nunca bem. Apenas o indispensável para afastar a atenção de nós.
Acabou-se o dinheiro para comprar os mesmos analgésicos contra a solidão.  Contra a falta de coragem para tomar as decisões que se impõem. Contra as noites mal dormidas a pensar noutra pessoa que não aquela que ali está a dormir ao nosso lado. Já não dá para esquecer o assunto com um par de botas novas ou aquela viagem ao Brasil.
Caímos dos nossos pódios feitos de areia e ficámos todos da mesma altura.
A tua aflição é agora a minha. E a minha a de todos. Eu e tu e todos a perceber, finalmente, que somos IGUAIS.
Agradeço por isso a crise. Este pedaço difícil de estrada. Todos os fins de mês que parecem nunca mais chegar. 
Abençoo a dura prova de aceitar o que não podemos mudar. 
A impermanência que nos leva a pedir milagres.
E a enviar faxes a pedir 1 Euro.
IdoMind
about all the good hidden in the worst  

2 comentários:

Marisa Borges disse...

Fico feliz que tenhas aceite finalemnte o inevitável, mas lembra-te que essa aceitação não é mais do que um mero render das armas, nunca foi uma opção! Ela está aí a dar cabo do que é preciso, resta-nos lembrar a nossa essência divina e rebuscar no âmago do nosso ser a Força da Luz e aprender ou reaprender a viver!

Olha eu recebi no correio uma carta, manuscrita, de um senhor que pede a nossa comparência nas reuniões da igreja LOL estás a imaginar a cara do OM lolololol

Bela escolha musical...to break your heart and everything must go!

:***

M.i... disse...

Lendo este teu post, assaltam-me sentimentos dispares, por um lado entendo a tua visão por outro custa-me, porque em ultima analise quem mais sofrerá são os inocentes, porque descuras um ponto que rotulo de fundamental e que são os que dependem, as crianças, os idosos, os doentes, aqueles que verão também reduzida a sua qualidade de vida, muitas vezes até ao inaceitavel... fome, má nutrição, falta de medicamentos e de cuidados de saude, a miséria envergonhada e escondida, porque os pobres continuarão pobres e até mais protegidos por sistemas sociais, discutiveis em muitos casos, mas são os que trabalham ou trabalhavam, muitos por conta própria, cilindrados por uma realidade económica que não era expectavel ou minimamente contornavel, que pior estão.
Hoje vi duas situações que por si só são á primeira vista banais mas que no contexto...um carro com um cartaz em letras coloridas a anunciar a venda duma casa, um duplex em Alvalade... e logo a seguir no carro imediatamente atrás um nº de tlm e por baixo 2700€... o desespero anda por aí... sejamos capaz de entender cada um e de apoiar quem precisa, principalmente com amizade, pq a linha entre a sanidade e loucura é tenue e em tempos de adversidade torna-se quase inexistente.
Perdoa-me o testamento mas...

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