julho 05, 2011

Parvos e Gigantes

No corredor de mármore ouviam-se apenas os passos dela. Firmes, determinados, batendo contra o chão no anúncio ruidoso de que estavam a chegar. E de que não vinham em paz. Olhámos todos. A aparência irrepreensível do costume. Cabelos domados, indumentária  muda, acessórios parcos e inexpressivos. Nada naquela mulher tem a marca daquela mulher. Nada permite adivinhar que de que género é, do que gosta ou sequer se gosta do que quer que seja.
Ela corta. É áspera. Há sabor a ácido nas suas palavras. Tem uma espécie de presença acutilante que nos faz recuar para evitar os picos.
Sem ser especialmente bonita, é atraente. Sabe disso. Usa-o a seu favor. Foi assim que manteve um emprego para o qual não estava minimamente talhada. Um casamento para o qual nunca esteve vocacionada. Uma vida que não queria mas que dava jeito ter. E agora o cheiro da pessoa que morreu dentro dela começava a notar-se…

Estávamos todos ali por ela. Recusou-se ao diálogo. Não propôs soluções e contestou todas as que lhe foram e são apresentadas. Inspirada certamente pelas vozes que saem à noite procurando quem as oiça, consegue ainda inventar mais um problema ou outro que, mais que enlouquecer, faz sofrer toda a gente.   
Passou por nós vomitando um bom dia que poderia arruinar com o nosso, não estivéssemos já imunizados contra a estupidez daquele ser. Ao vê-la afastar-se com desprezo pelas mesmas pessoas que mantinha reféns há alguns, dei por mim a desprezá-la também e pensei “ Não é má, é parva”. 
Era isso mesmo, ela gostava de ser parva! O objectivo daquela cabeça torpe era ser parva o bastante para ser diferente de todos os outros e assim conseguir a atenção que pessoas não tão parvas têm de fazer por merecer. Como era parva há muito, muito tempo confundiu esse estado triste de existência com a sua personalidade. Fez-se parva e apaixonou-se por essa imagem…

A vontade de lhe cuspir em cima, como se faz nos filmes e me parece sempre triunfante, foi substituída por um imenso sentimento de piedade. Ter de ser parva para dizer “Estou aqui” é trágico. Claro que ela já não tinha o discernimento para destrinçar quem era ela e quem era a parva. As duas estavam já demasiado fundidas para se distinguirem.

Caminhei na direcção dela. Foi o meu momento parvo…Não sabia o que lhe dizer mas sabia que havia algo a ser dito.
“Sim?” – perguntou-me no tom altivo a combinar com o cabelo arrumado. Pensei de novo na cuspidela. Sentei-me.
“Está tudo bem?” - perguntou-me, agora, com menos altivez e um toque a defesa- “ Tem alguma proposta, é?”
Continuei em silêncio porque continuava sem saber o que dizer.
Acabou por sentar-se ao meu lado.
“ Tem sido quem mais frieza tem mostrado e quem mais frente me tem feito. Sem sequer me dirigir a palavra. Somos parecidas. Estamos aqui e os outros todos ali. Bem longe de nós porque ainda que quisessem não saberiam e não conseguiriam alcançar-nos. Você fez isso comigo durante todo este processo, manteve-me longe de si frisando bem essa distância. Isso irrita-me, mas é a única por quem tenho alguma consideração.Tão jovem e tão forte. Penso em si como uma barragem.”
“E eu penso em si como o Gigante.”- disse eu por fim.
“O gigante?”
“ Sim."
Em miúda deram-me um livro sobre um gigante que adorava tudo o que era belo. Era um gigante muito sensível…Como no castelo já não havia mais que embelezar começou a plantar um jardim. Trabalhou, trabalhou, trabalhou e o jardim ficou tão lindo que Deus teria vergonha do Éden. Começaram a vir as borboletas, os pássaros e outros animais da floresta atraídos pelo cheirinho das flores e pela beleza daquele jardim. Começaram também a vir as crianças da aldeia…brincavam e rebolavam na relva. Riam. Estavam felizes por puderem ter um lugar tão maravilhoso para brincar.
O gigante, pouco habituado a companhia e muito menos a partilhar, decidiu construir um muro muito alto à volta de todo o jardim para que nem as borboletas, nem os pássaros, nem as crianças pudessem lá entrar.
E assim foi. O Verão passou. O Outono também. O Inverno. A solidão é sempre mais solitária no Inverno. O gigante começava a sentir saudades do barulho, das gargalhadas, dos desafios vocais entre os passarinhos.Veio a Primavera e o gigante convenceu-se que a melancolia daria lugar à alegria de ver o seu jardim de novo coberto de flores. Mas o jardim não floriu. O muro era tão alto que nem mesmo o Sol conseguia entrar.
O gigante olhou e tudo o que viu foi escuridão…dentro e fora de si.
Destruiu o muro até à última pedra.
A força da Primavera operou o seu milagre.O Gigante fez o resto – organizou uma festa e convidou toda a aldeia. Pediu a cada convidado que trouxesse sementes da sua flor favorita para que no ano seguinte houvesse um bocado de cada um no seu jardim…”

Ficámos caladas. Não olhei para ela. Estou certa que a veria descomposta, talvez mesmo emocionada e aquela gigante ainda não estava pronta para partir a última pedra. Todos temos os nossos tempos. Respeitei o dela.
Levantei-me sem olhar para trás.
O processo foi suspenso a fim de chegarmos a um acordo. 
Enquanto isso pergunto-me que parvoíce é a minha…
IdoMind
About rocks

7 comentários:

Ana Carvalho disse...

:D
a mim parece-me que queres partir a última pedra.
Beijos

IdoMind disse...

LOLOLOl

Ido Ido...

Ela tem razão sabes? Não sou parva como ela, mas sou de outra maneira.
Abaixo os calhaus!
beijinhooooo

Estrela.Dourada disse...

Parece-me que se existissem mais pessoas a derrubar e não em construir gigantes muros, o mundo seria banhado de mais amor e menos batalhas.De que terão medo? Não será por vezes delas mesmo?

IdoMind disse...

Olha a Estrela veio iluminar o meu Jardim :)))

Claro. É o medo de serem rejeitadas. O medo de não agradarem a todos a todo o tempo. O medo de não pertencer. O medo de chorar...E quando temos medo construímos muros...e somos parvos...

mil beijinhos

Marisa Borges disse...

É a verdadeira loucura do arcano 0 :)
Bela história, se não te conhecesse saberia era apenas uma história hihiihih a tua vida, de facto, tinha de ser publicada!!!!

Well done!

beijcas

IdoMind disse...

:)))))

Oh Shin, qual é a tua?! Algumas pensam que o que escrevo aqui é fruto da imaginação...que é invenção..Deixa estar assim ou ainda começo a perder seguidores...lolol
Acho que também conseguia escrever a tua, mas o género seria mais aventura!!

beijos minha irmã

Estrela.Dourada disse...

È verdade,medos e mais medos.Muitos só demonstram que transportam dentro deles o maior inimigo.O unico que os impede de viver em liberdade.
Beijinhos

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...