Sustus
Foi apenas com os seus tenros 10 anos de idade e no despontar da sua primeira crise existencial, que Benjamim descobriu o conforto de ser deixado sozinho. Era filho único mas tinha uma mãe siamesa. Onde quer que fosse, o que quer que fizesse, lá estava a sua sombra em forma de mulher.
Um dia Benjamim começou a correr. Há medida que se afastava de casa, transformava-se numa corrente de ar empurrada pelo vento. Era o Benjamim Leveza e sentia-se tão bem! Só uma hora depois de ter levantado voo e a uma distância considerável de casa (na medida de quem tem 10 anos de idade, claro), começou a sentir o peso das pernas a pedir terra sólida, de preferência um pedaço de relvado verde e fresco onde pudessem recuperar até a próxima partida.
Ofegante, deu por si num cemitério. Não daqueles em que há mortos, mas um cemitério de bocados de vidas. O último lar dos despojos, que a dado momento e com um determinado objectivo, passaram pela vida de alguém, para terminar ali, num amontoado confuso de plásticos, pedaços dilacerados de roupa e papéis, onde as palavras outrora dignas de registo esvoaçavam agora sujas e perdidas - a lixeira. Melhor dizendo, o espaço onde havia funcionado a lixeira, agora transferida, sob um nome muito mais pomposo, longe de fazer lembrar lixeira, para os confins de uma terra fronteiriça, mais pequena e quase desabitada.
Era ali que Benjamim se refugiava desde então. Fez da ex-lixeira o seu recatado jardim, ainda que o único vestígio de vida vegetal fosse o velho carvalho que, resistindo com inigualável valentia às incessantes e esforçadas tentativas da Junta de Freguesia de o decepar, permanecia, teimosamente, de raízes bem fincadas no solo castanho que o lixo tornara estéril.
A batalha judicial havia sido longa, desgastante e apaixonada. A questão sobre o abate ou não do voluntarioso carvalho acabou por ser ganha por Joaquim Belverde, o proprietário do terreno, que conseguiu convencer o Sr. Presidente da Junta a reconsiderar a sua decisão. Recorreu para o efeito, não uma qualquer artimanha jurídica, mas à sobejamente conhecida superstição do autarca.
Acontece que uma criança estava refém do carvalho.
Numa noite abafada de Verão, libertando a inquietude que o calor parece causar, sobretudo nos mais pequenos, José e Tomás foram até ao seu sítio favorito – “O Reinado”.
Os cerca de dois hectares de terra dourada outrora camuflada por longos e densos braços de feno, eram desde sempre, ou pelo menos desde que se lembravam de existir, a segunda casa dos dois amigos. O lugar que era só deles, onde engendravam os esquemas que punham em acção no dia seguinte na escola, onde trocavam as experiências das suas curtas, mas já riquíssimas, vidas e partilhavam as parvoíces que acreditavam ser as verdades mais absolutas sobre o funcionamento do universo. Claro que como qualquer esconderijo digno desse nome, foi também no “Reinado” que deram os primeiros bafos nos cigarros corajosamente roubados ao temível talhante da rua onde moravam.
José subiu então à árvore para verificar se o perímetro estava livre. Sem que ninguém previsse, uma forte chuvada fustigou a vila e ao sinal do primeiro relâmpago Tomás pediu-lhe que descesse, o que este recusou respondendo-lhe:
- “ A chuva não me molha e os raios não me podem atingir aqui. Já te esqueceste, esta é a nossa casa Tomás e os ramos do “Sustus” são o nosso telhado. "
- “ A chuva não me molha e os raios não me podem atingir aqui. Já te esqueceste, esta é a nossa casa Tomás e os ramos do “Sustus” são o nosso telhado. "
Assim haviam baptizado o carvalho depois de terem afugentado um pastor, que ao invés da sombra da árvore, encontrou cerca de uma dezena de esquelos de vaca ao redor do tronco. Escondido num dos oríficios do Sustos estava um gravador, que os amigos accionaram quando no horizonte viram o pastor a aproximar-se. E foi como se um coro de seres bestiais tivesse emergido da terra gritanto " Claro que estamos loucas. Parem de nos comeeeeer!". O pastor voltou a desaparecer, agora mais rápido, do horizonte.
Quando voltou mais tarde, desta vez acompanhado, não havia vestígios das ossadas, nem ecos das vozes.
As últimas notícias que tiveram, davam conta que tinha aberto uma ervanária na cidade.
A chuva engrossava e o céu vestira-se de luto, mas o jovem José, que ainda se via infinito, empoleirado no Sustos assistia do seu camarote ao espéctaculo da natureza, respondendo ao seu amigo:
" - Aqui nada nos atinge. Nem mesmo os gritos de Deus. E riu.”
Neste instante, um trovão ensurdecedor acompanhado de uma luz brilhante que clareou toda a noite com uma intensidade invulgar, fulminou José, que morreu a sorrir e a acreditar.
Neste instante, um trovão ensurdecedor acompanhado de uma luz brilhante que clareou toda a noite com uma intensidade invulgar, fulminou José, que morreu a sorrir e a acreditar.
to be continued...
IdoMind
about story telling
8 comentários:
IdoMind :))))))))))))
só posso dizer que estou à espera do resto!!! Que belo começo!!1 Personagens interessantes, estou curiosa com a árvore rkrrkrkrkkr
Love ya e parabéns, estás lá!!!
Blogonovela? Demais isso. Adorei! Começou muito bem e aguardo o próximo capítulo.
Bjo na alma.
Como se diz por aqui:
"Acho que vai dar samba".
:))
Shin,
Hoje deu-me para aqui!
This is just the beginning...O sustus ainda tem muitos segredos para revelar...
Os pais têm razão: já estou para lá de qualquer salvação!
beijos e tks
Reyel
lol lol Nem eu sei como me lembrei disto de blogonovela.Achei o nome giro.
As cenas que aí vêm..uiiii
A globo ainda compra os copyrights do Jardim...lol
beijos querida Reyel
Adriana
Ou um tango no dia das bruxas...
Mas vai dar alguma coisa.
Mil beijos doce Adriana e obrigada por estares aqui no nosso jardim
hehehe!!! Estou vendo a Globo anunciando a nova novela das 8 (que só começa às 9 da noite), "A extraordinária História", de IdoMind.Não percam!
Seria muito legal, né?
Amiga, conseguiu entrar no meu blog?
Olha, se vc usa o Internet Explorer muda, pois esse navegador vive dando problema para vários usuários do blogger, inclusive eu. O Mozilla Firefox nunca deu problema.
Bjo na alma!
Olá IdoMind
Estou ainda a saborear, a tentar descobrir os condimentos deste cozinhado e também claro a aguardar os proximos capitulos destas historias do carvalho.
Beijos
O Viajante
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