maio 11, 2009

Loucuras


Ligaram-me. Não atendi. No dia seguinte, pela manhã, retribui a chamada.

Onde andavas àquela hora? Pensei que depois de saíres daqui tinhas ido para casa” – perguntou a minha melhor amiga com quem tinha estado na noite anterior até bastante tarde.
“E vim. Mas atrasei-me um pouco nas portagens.”- respondi eu.
“Problemas?”- indagou
“Não. Estive a beber chá e a conversar um bocadinho.” – esclareci.
? Não percebi.” – exclamou ela, julgando, tenho a certeza, que tinha perdido algum bocado da conversa devido a deficiências de rede.
“Como era tarde a senhora da portagem convidou-me a entrar e a beber um chá com ela.” – elucidei de imediato.
“Mas onde?” Perguntou a minha melhor amiga depois de um pequeno, mas muito significativo silêncio. Continuava a julgar que a rede estava péssima, aposto.
“Já te disse, na portagem.”
“Na portagem?!! Mas na portagem como? Dentro do cubículo?
Siiiimmm. “
“Mas…mas…”
“Então, como passo ali todos os dias a senhora pediu-me para entrar e falar um bocadinho porque o turno da noite é mais lento, custa mais a passar. Estacionei o carro no parque da portagem e entrei.”
Do outro lado, no meio de gargalhadas surpreendidas, a minha melhor amiga soltou em tom de desabafo:
“Só tu, só mesmo tu”. – e continuava a rir que nem doida.
Já não me atrevi a dizer-lhe que também troco CDs de música e alguns livros com outros colegas da senhora da portagem.


Este chá na portagem às 2horas da madrugada começou a ser preparado muito tempo antes, no dia em que acordei diferente dos outros dias, mais louca. Num dia em que me apeteceu ser alguém que voa.


Desconheço se por responsabilidade de alguma conjuntura planetária esquisita ou se devido a algum processo hormonal estranho a ocorrer dentro de mim, o facto é que me levantei disposta a fazer coisas que não faria habitualmente. Talvez tenha sido o cansaço de tantos dias baços, a fazer-me ansiar por brilho. Não sei. Sei que de repente a vida pareceu mais pequena para toda a grandeza dentro de mim. Era preciso ampliá-la.

Habitualmente sou (era) reservada. Naquele dia abri as cancelas do meu ser e convidei todos a entrar. Mostrei-lhes o meu relvado verde e fofo, a minha casa simpática e acolhedora, onde seriam sempre bem vindos para comer daqueles biscoitos que estavam no forno e cujo aroma perfumava o ar de boa disposição.


No ínicio fui fazendo estes convites a medo, até que percebi que todos nos receamos uns aos outros. Não era a única medrosa. Estamos geralmente à espera que nos façam mal. Que traiam a nossa confiança. Que se riam de nós. Que falem nas nossa costas. Que nos magoem. Que não nos respeitem. Que não nos entendam. No fundo, temos medo que não gostem de nós.
Então, e como disse o protagonista de um filme que vi recentemente, para não sermos rejeitados, rejeitamos logo à partida. E é assim que vivemos e coabitamos hermeticamente fechados em pequenas embalagens de vidro. Cada um na sua.

Eu vi-me livre da minha desde aquele dia esquisito. As primeiras inspirações no ambiente inóspito e imprevisível cá de fora, foram difíceis. Tive de me concentrar para respirar fundo e adaptar-me. Mas logo os meus pulmões se habituaram à qualidade inigualável deste ar partilhado por todos.


O meu primeiro acto de loucura: falar aberta, simpática e amorosamente com quem se cruzar comigo. A mim valeu-me um chá na portagem.

Acham que fazem melhor?

IdoMind


about all the sweetness inside...

20 comentários:

Viajante disse...

Olá IdoMind
como se diz na minha terra cada tiro cada melro. São revelações atrás de revelações.
Mais um texto lindo escrito por um ser humano de uma sensibilidade incomum cuja imagem eu fui a pouco e pouco construindo e que cada vez fica mais bonita com a luz que vai irradiando em cada palavra em cada ideia em cada abraço.

Deus a abençoe

Um beijinho

O Viajante

IdoMind disse...

Meu Viajante,

Por cá ainda se completa com "cada cavadela cada minhoca" lol

Agora junte a essa "sensibilidade",ao "talento artístico" e à "mulher de acção", um charme arrasador....lol

O Viajante anda para aí a sonhar com uma IdoMind que na realidade é só uma mulher a "querer sair da trincheira" (adorei esta expressão).

Escrevi este post depois de ler a sua rega ao Mundo de Fantasia.Portanto também é pai.E curiosamente foi o 1.º a regar.
Ilumine-me sempre Viajante...

Um abraço bem apertado
IdoMind

Marise Catrine disse...

Uau,
Estou sem palavras. Que lindo texto e que bela lição podemos reirar!
De facto nunca pensei nisso assim. Estamos à partida a rejeitar por termos tanto medo.
É que às vezes é difícil manter o espírito aberto quando saimos de casa sorridentes e carregados de Luz mas nos deparamos logo à primeira com uma "má cara" (como me aconteceu hoje de manhã). Prometo que vou pensar frequentemente nestas tuas palavras.
Beijocas.

Maria de Fátima disse...

Olá IdoMind aqui está uma bela lição a aprender.Quem tem medo compra um cão, risos.Beijinhos.

Viajante disse...

Bom dia IdoMind

As mulheres que eu admiro são as que lutam para "sairem da trincheira" e ainda têm todas tempo para serem talentosas, sensiveis, determinadas, lindas e arrasadoramente charmosas.
Apesar da minha prefecta idade não tive por circunstancias do Caminho o privilégio de ser pai daí que me sinta mais como um irmão mais velho.
Quanto ao facto de ser o primeiro a comentar talvez tenha que ver com a diferença horária.

Beijinho e um xi-coração verde esmeralda

O Viajante

Pedro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pedro disse...

Não sei se consigo ser tão simpático... charmoso... arguto e eloquente como o Viajante... Contudo de ditados e expressões populares percebo.... aqui segue...
"Cada tiro cada melro... cada cavadela 2 minhocas..."
Lição do dia...
O importante não é "querer sair da trincheira"... querer... todos querem... importante mesmo é começar a subir... e hoje..., e não ficar mais um dia na vã esperança de amanha estar mais forte... pois só começando a subir é que os musculos mexem... e assim ganhamos forças... ficar lá em baixo é sempre mais confortável... seguro... mas também muito mais covarde...
PS (espero não ter regado demais... :-) )

Marisa Borges disse...

Eheheheheheheeheheh

só de me lembrar dessa conversa ainda me riu!!! Só tu mesmo!!!

Para mim a questão não é abrir as portas, pois essas já as abro com mais facilidade...para mim a questão é ter disponibilidade para todos, confesso que a não tenho!

Nem sempre estou bem, nem sempre me sinto disponível para os outros e enquanto assim for, não entro nos T0 das portagens!

Hoje apercebi-me de algo...ainda me custa muito largar...já estou quase no fim de mais um ano...e já sinto a dor de "perder"...afinal ainda me apego e muito!!!

Lindo texto, estás cada vez melhor. Acho que cada cavadela, cada raiz ou semente, não minhocas. As larvas desaparecem quando lhes mostras a tua verdadeira LUZ.

Love ya

p.s. acho que conhecço esse Pedro, não?!? Como sempre muito divertido!!!

IdoMind disse...

Querida Marise ,

A ciência está aí, em conseguirmos manter o sorriso no meio das lágrimas e das más disposições.Mas tem de ser um conseguir sincero, o sorriso tem de ser verdadeiro ou será pior a emenda que o soneto.Isto é um esforço diário de compreensão.Concientes de nós minuto a minuto.
Mas tenho para mim que mal nenhum vem ao mundo se um dia por outro não te apetecer sorrir.
TU fazes-me sempre sorrir...
Um grande grande beijo

IdoMind disse...

Olá Maria de Fátima

Ou mesmo uma matilha, se for muito muito medricas, desde que se abra a porta para o mundo..

beijinhos

IdoMind disse...

Olá Pedro,

Neste Jardim ninguém tem de ser como ninguém e tu foste igual a ti próprio lembrando que mais que sonhar é preciso AGIR.
Grande ensinamento trouxe a tua rega...
Obrigada.
Serás sempre bem vindo a dar a tua visão objectiva e altamente construtiva como fizeste aqui. Também podes só aparvalhar se quiseres, mas volta...`

Um beijo

(p.s quanto à foto...sem comentários!Não é só de expressões populares que entendes, esta tua veia artística...às vezes, reforço, ÀS VEZES, é engraçada)

IdoMind disse...

Minha Shin_Tau,

Estes banhos no jacuzzi...indescritiveis

Parece-me que há uma certa confusão entre abrir as portas ao mundo e convidar o mundo a ficar a morar contigo...
Do que te falo é de estares de corpo e alma com todos que vierem ao teu encontro, seja por 5 minutos ou por 5horas.Estares lá. Conforme for o teu desejo mais profundo.E acredita que haverá sempre disponibilidade para com quem tiveres de estar dísponivel.
Tu sabes.

O apego, o apego. Para mim é muito bom sinal que te custe a desapegar.Indica que amas. Que te dedicas. Que viste o outro. Que ele não te foi indiferente.E o amor é sempre bom mesmo que a partir de algum momento tenha de ser vivido mais à distância.

Criaste laços com o futuro e estarás sempre apegada a eles.
Daqui a alguns anos um prémio nobel dirá nas suas declarações: "apenas a minha teacher acreditou em mim e foi isso que me manteve na escola ou teria desistido".
Também sabes isto.

Larvas??!! Onde? Onde? lol


Sim, é O pedro...engraçadinho como só ele sabe ser

Kisses

Marise Catrine disse...

Thank you my dear.

;)

Marisa Borges disse...

Ó IdoMind,

de facto tens razão, uma coisa não é a mesma que a outra. Talvez me tenha confundido, mas já sabes como sou, quando abro, abro mesmo e é quase como se ficassem a viver comigo!

O importante é saber como sou e que é assim que ajo, para que não me iluda nem confunda os outros.

Quanto ao resto, não sei, já amei muito sem me ter apegado aos outros, acho que aqui se trata mesmo de algo que ainda não consigo ver na totalidade. Estes mexeram muito comigo!!! Já não sou a mesma que era antes de os conhecer.

Depois conberçamos!!!

Love ya

Marisa Borges disse...

Esta rega vai para o Pedro,

olha que me deixaste de boca aberta! Fiquei muito surpreendida por te ver aqui e ainda por cima com uma rega tão opinativa. Não sabia que já te interessavas por estes temas (risos).

Adoro a foto e estou contigo!!!!

Unknown disse...

Mais um excelente texto num tema que muito me atrai. A parte final do leva-me a reflectir que poderíamos sintetizar as relações interpessoais a uma dualidade, MEDO vs AMOR. É perfeitamente natural que as reacções que nos levam a rejeitar à partida, seja fruto de algumas experiência passadas, e até da nossa infância, e que consequentemente nos geram Medo. Este só pode ser degolado com muito Amor e partilhando abertamente, sem tabus ou preconceitos. Não é uma transição fácil, e leva o seu tempo, mas desde que estejamos predispostos a mudar, ou seja, desde que a nossa mente interiorize que devemos alterar o comportamento, não tenho dúvida que será mesmo uma questão de tempo.
Se fizermos tudo na Vida, com muito, mas mesmo muito AMOR, tudo o resto virá de uma forma surpreendente.
Parabéns, Idomind, por uma excelente reflexão. Agora passemos à prática.
CUCU

Anónimo disse...

Eu já vivenciei esse ar de loucura e que hoje traduzo como liberdade espiritual.

Já te contei do meu banho de chuva com o Mendigo?

Um dia eu hei de te contar, e você dará gargalhadas de felicidade.

Fazer o não-habitual é estar solto as amarras do social e asfixiante cotidiano.

"Eu prefiro ser um louco num país de liberdades do que um são num pais de represálias"

Direto do Brasil.
Um beijo moça louca.

Anónimo disse...

Suas postagens estão boas demais moça. Estás inspiradíssima.

Beijão.

IdoMind disse...

Cucu,

Desculpa a resposta tardia.às vezes tenho de trabalhar...

Mais uma rega profunda.Sim, vivemos nessas duas polaridade: Amor-Medo.O segredo está em não ficar tolhido pelo medo fechando a vida ao amor, como dizes e bem. O que foi, foi. Que o saibamos usar para o que é.Outra coisa que podíamdo ter mais presente é que o meu passado não foi feito só pelos outros, mas que eu também fiz passado de muitos. Quando as coisas não funcionaram exactamente como gostaríamos, nunca é só responsabilidade apenas de um. Ambos ou vários contribuiram para o resultados. Se pensaramos que também gerámos medo aos outros com as nossas atitudes, omissões, palavras e silêncios, talvez deixemos de recear tanto e passaremos a entegarmo-nos mais.

Mil beijocas Cucu

IdoMind disse...

Léo, Léo, Léo

E não é tão bom ser louco? parece que os outros também não se importam com os nossos gestos de loucura, pelo contrário.

Estamos tão domesticados que confundimos alegria de viver com tolice...

À minha, à tua e à loucura de todos para que mundo comece finalmente a sarar as doenças mentais que o estão a levar à morte.

Uma sugestão: escreve sobre o teu banho de chuva com o mendigo e partilha. Adorava que fizesse todos rir com as tuas doideiras como fazes com a tua paixão...

Um abraço muiiiiiito apertado Léo Tornado

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